Parei de fumar maconha, mas a fissura está insuportável 

Essa fissura insuportável após parar de fumar maconha é um dos sintomas da síndrome de abstinência do usuário crônico. Neste caso, é preciso buscar ajuda, como a de um psiquiatra especializado em dependência química.

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“Fumei maconha durante dez anos quase todo dia. Em 27 de fevereiro tomei a iniciativa de largar por conta própria me baseando na máxima do: “ficar sem fumar só por hoje”. Durante o mês de março meio que passei motivado por esse objetivo, embora estivesse me sentindo ansioso, oprimido e desconfortável. Mas achei que com o passar dos dias, esses sintomas iriam diminuir… mas ocorreu justamente o contrário. Agora há quase três meses de abstinência, a ansiedade é enorme e me sinto muito sufocado… Trabalho em home office e preciso sair de casa umas 3 a 4 vezes para caminhar para baixar a ansiedade… Isso está prejudicando o meu trabalho. Não durmo direito. Estou sentindo que estou chegando no meu limite, mas não queria tomar esses antidepressivos ou ansiolíticos tarja preta. O que preciso fazer para não “pedir arrego” ao baseado? A fissura está insuportável. Você pode me ajudar?”

Resposta: A cannabis é uma substância psicoativa com δ-9-tetrahidrocanabinol (THC) sendo o seu principal princípio ativo. O THC atua no sistema endocanabinoide no cérebro e em outros tecidos do corpo, ligando-se a dois tipos distintos de receptores canabinoides (CB) nas membranas celulares (receptor canabinoide 1 (CB1) e receptor canabinoide 2 (CB2)) e inibindo a neurotransmissão de outros neurotransmissores como a acetilcolina, GABA e vias glutamatérgicas. O consumo crônico de cannabis está ligado à dessensibilização da função do receptor CB1. Embora alardeada como substância benigna e até mesmo legalizada em alguns locais, o seu consumo pode provocar danos e consequências nocivas, como os que você registra na sua pergunta.

Queixas como a colocada nesta questão são bastante comuns durante a atividade clínica diária, e com o trabalho em esquema de “home office”, elas se tornaram ainda mais frequentes, principalmente entre aqueles que já faziam uso de maconha antes da corrente pandemia.

Os usuários de maconha são uma população bastante heterogênea com diferentes formas de consumo, frequência de uso, razões para o início, razões para a manutenção do uso, razões para tentar cessar o consumo, aspectos genéticos e epigenéticos, dentre muitos outros.

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De qualquer forma, você demonstra neste momento um laudável objetivo de cessar o consumo e, apesar de estar conseguindo, tem encontrado notáveis dificuldades para manter esta finalidade e até mesmo pensando em voltar a consumir.

Parte dos usuários fuma para aliviar sintomas psicológicos e físicos

Apesar de muitas pessoas poderem imaginar que o início do uso da maconha ocorra por motivos meramente recreativos, existem de fato indivíduos que experimentam a maconha para aliviar sintomas psicológicos e físicos desconfortáveis. É possível que a maconha, neste segundo caso, mascare tais sintomas negativos (como ansiedade e depressão) os quais, seguramente, vão reaparecer durante o uso da droga ou mesmo quando da sua parada. De fato, vários fatores ambientais, relacionados à personalidade, culturais e fisiológicos contribuem para o desenvolvimento de um padrão de uso continuado.

Outrossim, é importante considerar que a maconha, por outro lado, pode induzir quadros psiquiátricos em indivíduos predispostos. Os problemas psiquiátricos induzidos pela maconha podem ser caracterizados por sintomas de ansiedade, os quais se assemelham deveras ao chamado Transtorno de Ansiedade Generalizada.

O consumo continuado da maconha pode produzir uma falta de motivação para as atividades do dia a dia, assemelhando-se a um quadro de Transtorno Depressivo Persistente. Vários sintomas agudos também podem ser notados, tais como sintomas de síndrome do pânico, depressão, sintomas psicóticos (delírios e alucinações).

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Além de todos estes fatores relacionados com o início e com a manutenção do uso da maconha, bem como dos sintomas psiquiátricos induzidos pelo seu consumo; aqueles que consomem maconha de forma continuada podem apresentar sintomas de síndrome de abstinência, quando cessam ou reduzem abruptamente o uso da droga.

Sintomas da síndrome de abstinência de maconha

Os principais sintomas da síndrome de abstinência da maconha estão listados abaixo:

  1. Nervosismo ou ansiedade
  2. Irritabilidade, agressividade ou raiva
  3. Dificuldade para dormir
  4. Perda do apetite e perda de peso
  5. Inquietação
  6. Humor deprimido

Mais da metade dos adultos usuários crônicos de maconha reporta sintomas de síndrome de abstinência. Apesar de não existirem sintomas que ameaçam a vida, como é o caso na síndrome de abstinência complicada de álcool por exemplo, a síndrome de abstinência da maconha é desconfortável e pode fazer com que o usuário crônico decida por continuar o consumo.

Além disso, é importante notar que entre aqueles usuários crônicos que apresentam o quadro de síndrome de abstinência aguda após cessar ou reduzir abruptamente o uso da droga, pode também ocorrer a chamada síndrome de abstinência crônica ou protraída. Nesta síndrome de abstinência crônica ou protraída, o usuário crônico, mesmo estando sem usar a droga, pode apresentar os sintomas da síndrome de abstinência semanas a meses após o último consumo da droga.

Tendo versado brevemente sobre os vários quadros psiquiátricos relacionados ao uso da maconha, bem como os induzidos pelo consumo, acredito que “pedir arrego ao baseado” seja uma decisão por demais simplista e decepcionante.

Não peça arrego ao baseado, procure ajuda

Você parece realmente disposto a abandonar este uso e está se esforçando para isso. Talvez você não consiga sozinho e os sintomas da síndrome de abstinência e de outros problemas psicológicos coexistentes o desencorajem a continuar esta trajetória. Se você estiver realmente disposto a manter-se abstinente, procure ajuda médica. Nem todas as medicações com ação ansiolítica são “tarja preta”. O profissional médico deverá avaliar os seus sintomas psiquiátricos e físicos, a sua história do seu consumo, a sua trajetória, as tentativas prévias de parada e propor um tratamento.

Não tenha medo e siga em frente!!!

Atenção!
Esta resposta (texto) não substitui uma consulta ou acompanhamento de um médico psiquiatra e não se caracteriza como sendo um atendimento

Professor Livre-Docente pelo Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Professor de Psiquiatria do Centro Universitário Faculdade de Medicina do ABC. Pesquisador nas áreas de Dependências Químicas, Transtornos da Sexualidade e Clínica Forense.