por Dulce Magalhães
Por vezes a gente tropeça na vida com ideias que mudam nossa maneira de ver o mundo. São como frestas para novos mundos. Nos inspiram a ver diferente e, só isso, já faz tudo novo, renovado.
Ouvindo os causos de interessantes experiências pelos interiores do Brasil, veio a história do encontro de um jornalista com um sertanejo, que já havia feito mil e uma coisas pela vida e, mesmo aos 85 anos, ainda estava com projetos de uma banda, compondo e tocando. O jornalista se espanta com tanta produtividade e tantos interesses pela vida e o sertanejo, ainda em maior espanto, exclama: “cabe muita coisa numa vida”. É mesmo! Cabe muita, muita coisa numa vida. A gente é que limita, restringe, desacredita, desiste, empreguiça. A vida pode ser mais, pode ser maior. Assim como o planeta é do tamanho que a gente dá a ele, dos lugares que a gente visita e das distâncias que a gente encolhe quando chega lá.
O poeta Vinícius de Morais nos convida a ir a um lugar além do além, que nem nome tem. Este lugar fica na curva da estrada. É o espaço novo que criamos além de qualquer conceito. O que nos permitimos, é ter, finalmente, o passaporte carimbado. É tomar banho de rio em plena tarde de terça-feira. É roubar beijos e rir de si mesmo. É contar uma piada singela no elevador, fazendo rir. É um espaço sem nome, sem endereço, sem agenda, sem morador. Além do além, um espaço sem tempo, um tempo sem fim.
O escritor José Saramago nos lembra: “A pior forma de amar é ter. A melhor forma de ter é amar”. A ilusão da posse nos faz insensíveis para o cuidado, oferece o risco do desrespeito e ainda diminui nossa própria experiência de partilha. Ao amarmos somos capazes de nos entregar, de nos abrir para a experiência, de desvelar um olhar mais atento, de revelar os detalhes mais inspiradores de cada momento. É só isso o que podemos possuir, num mundo em que tudo é transitório são as vivências que nos pertencem.
O importante é perceber o quanto a realidade é perecível. E se desaparece é por que não é real mesmo, é apenas a forma provisória com que nos organizamos. Só o que permanece pode ser real. Estamos focados naquilo que perecerá e nos descuidamos do que prevalecerá. Há algo em nós que precisa de atenção permanente. Nossa consciência, nossa alma, nossa essência, ou que nome queiramos dar a essa experiência perene, que vai além do além. É esse legado que encontraremos em nosso futuro, onde habitaremos, a experiência que poderemos desfrutar. Uma escuta atenta pode fazer caber muita mais coisa numa mesma vida, nos permitindo ir além do além, para realmente sermos capazes de amar e só então encontraremos o que buscamos.
Reflita sobre isto. Suerte!