por Joel Rennó Jr.
A mídia divulgou várias notícias e debates a respeito do possível cancelamento do registro da sibutramina e dos demais inibidores de apetite (femproporex, anfepramona, mazindol) no Brasil, pela ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
Muitos colegas endocrinologistas importantes e algumas entidades ou sociedades médicas da área de endocrinologia têm se posicionado contra a ANVISA.
Tais endocrinologistas, que eu respeito muito, argumentam que a ANVISA superestimou os efeitos adversos e subestimou os seus benefícios. Usam também o fato de tais medicamentos estarem há mais de 30 anos no mercado como justificativa para dar indícios da eficácia terapêutica deles. Quanto aos efeitos colaterais, nossos endocrinologistas dizem que os mesmos podem ser observáveis com quaisquer outros medicamentos, o que é uma verdade inquestionável.
Todos sabemos o óbvio: que o tratamento correto da obesidade deve se basear no aumento da atividade física e na orientação dietética. Infelizmente, alguns pacientes por não conseguirem modificar seus hábitos alimentares, poderiam se beneficiar do uso de remédios que ajudam a controlar o apetite ou saciedade. Então seria razoável manter-se tais drogas anorexígenas no mercado, sob tais justificativas?
Na teoria, sim. Mas, na prática, honestamente, acredito que a ANVISA esteja tomando a decisão correta de suspender tais drogas.
Agências de Medicamentos dos EUA (FDA) e da Europa (EMA), após longa e criteriosa análise das evidências científicas disponíveis, demonstram, claramente, que os riscos superam de longe os eventuais benefícios. Nenhum estudo científico foi capaz, ao longo desses anos, de contestar as decisões do FDA e EMA, sempre pautadas em critérios objetivos e sérios.
O objetivo de todo tratamento de obesidade deve ser a redução da morbidade (doença) em si, nunca da redução do peso em si. Um amplo estudo clínico envolvendo a sibutramina, o SCOUT (Sibutramine Cardiovascular Outcome Trial), realizado com 10 mil pacientes obesos com doença cardiovascular ou diabetes demonstrou ineficácia e significativo aumento do risco cardiovascular.
Muitos endocrinologistas argumentam: “mas nós não prescrevemos tais medicamentos para pacientes de risco, com doenças cardiovasculares ou psiquiátricas”. Isso é uma verdade para os profissionais conscientes e éticos, sem dúvida. Porém, a sibutramina mesmo quando leva a uma pequena redução de peso não é capaz de prevenir a incidência de problemas cardiovasculares – o que seria o principal argumento ou justificativa para o seu uso.
Outro ponto falho: os endocrinologistas argumentam que o principal objetivo do tratamento da obesidade é reduzir a mortalidade e morbidade associadas à obesidade. Sem dúvida, é um argumento perfeito e correto. Mas, infelizmente, até hoje, não há estudos clínicos, de longo prazo, controlados e com poder estatístico adequado para se comprovar isso. Portanto, diminuir o peso de um paciente com tais drogas sem garantia de que haverá benefícios para se evitar doenças associadas à obesidade é um risco desnecessário e absurdo.
Inibidores e psique
Quanto à parte psiquiátrica, tais drogas são um desastre total. Muitos endocrinologistas argumentam que não prescrevem tais drogas a pacientes com transtornos psiquiátricos. Porém, na minha experiência clínica, mesmo quando tais drogas são prescritas a pacientes sem transtornos mentais há riscos. Há quadros sérios de depressão psicótica, ansiedade extrema, agitação psicomotora, irritabilidade, agressividade, ideação suicida e até psicoses, mesmo em pessoas sem antecedentes psiquiátricos.
Infelizmente, já tive que internar várias pacientes com distúrbios *psiquiátricos secundários ao uso de anorexígenos.
Na minha modesta análise, a ANVISA está com bons argumentos e apoiada em estudos científicos – referendados também por agências de medicamentos internacionais relevantes como FDA e EMA.
Os riscos de tais medicamentos superam de longe eventuais benefícios, ainda sequer comprovados em estudos clinicos amplos e com metodologia adequada.
Para que correr sérios riscos de eventos negativos adversos nas áreas cardiovascular e psiquiátrica, sem benefícios claramente comprovados para a prevenção de doenças associadas à obesidade? E ainda tais drogas têm grande potencial de abuso e dependência o que piora muito qualquer chance de defesa da manutenção das mesmas.
* psiquiátricos secundários: distúrbios consequentes do uso de anorexígenos
Atenção!
Esse texto e esta coluna não substituem uma consulta ou acompanhamento de um médico psiquiatra e não se caracterizam como sendo um atendimento.