A mídia tem realmente dedicado um espaço generoso para os assuntos ligados à violência, principalmente de uma década para cá; entenda
Uma rápida comparação, que qualquer um pode fazer, entre jornais de hoje e de uma década atrás, poderá nos revelar alguns aspectos interessantes. Um deles certamente é o tamanho do espaço reservado para a violência. A mídia tem realmente dedicado um espaço generoso para os assuntos ligados à violência. Eventualmente, até somos levados a crer que o noticiário é sobre a violência, já que pouco sobra para qualquer outro assunto.
Algumas pessoas não acreditam que existe um aumento da violência, de tal maneira que se justifique a ampliação da cobertura nos noticiários. Conheço ao menos um estudo que analisou dados estatísticos e que verificou que não houve um aumento real dos índices de violência – embora tenha havido, isso sim, ampliação da cobertura.
Se isso for verdade, então há algo aqui que deveria nos interessar, na medida em que diz respeito à maneira como percebemos a violência. Se não houve nenhum acréscimo substantivo deve ser outro o fator que leva a cobertura a dedicar tanto espaço ao assunto. Não acredito que isso possa ser explicado por algum tipo de manipulação das pessoas, como se as mídias investissem energia naquilo que as pessoas gostam de assistir ou ter contato. Afinal, isso não explica porque as pessoas hoje gostam mais de ter acesso a temas violentos.
Por que houve um aumento da divulgação da violência
Se hoje damos maior atenção à violência é porque ela nos afeta mais do que no passado. E se, por um lado, os índices de atos violentos não aumentaram, então a resposta só pode estar do outro lado: na percepção da violência. Para nos sentirmos mais afetados por ela, isso só pode significar que estamos mais propensos a senti-la como algo importante. Isso quer dizer que estamos diante de uma mutação de nossa sensibilidade humana.
Não deve soar estranho que atos do passado, que na sua época, sequer eram dignos de nota são, hoje, colocados sob a rubrica de violência. O que parece ter se alterado profundamente é o quanto nos sentimos atingidos por atos a que, em um passado recente, não se dava atenção. O comentário malicioso acerca da sensibilidade exagerada da geração mimimi adquire um sentido mais amplo aqui. Seria mesmo estranho que uma maior sensibilidade não implicasse em maior sensibilidade para atos violentos.
Se nos tornamos mais sensíveis, então a percepção da violência deve mesmo ter se ampliado. Isso não apenas no sentido de sentirmos mais intensamente a violência como também no sentido de que outros atos passam a ser percebidos como violentos. Um exemplo desse último caso é a violência praticada contra animais, algo que no passado não fazia parte de nossos conceitos habituais ligados à práticas condenáveis.
Isso quer dizer que estamos nos tornando melhores no sentido de ampliarmos nossos sentimentos de compaixão e compreensão pelos outros? Uma maior sensibilidade para a violência indica que estamos mais dispostos a nos identificar com outros seres que sofrem? Ou, ao contrário, essa sensibilidade diz respeito à ampliação de nosso egoísmo, ao fato de que estamos nos tornando mais suscetíveis a perceber a violência infligida contra nós?
Talvez as duas coisas sejam verdadeiras. Talvez a ampliação de nossa sensibilidade acerca da violência possa nos tornar propensos a uma maior empatia e também a um maior egoísmo. Talvez essa, como várias outras alterações dos sentimentos humanos ao longo do tempo, possa conter os germes de um mundo pior e melhor, a depender de como nós estejamos propensos a lidar com a nova violência que passamos a sentir.