por Grupo de Aprimoramento Junguiano sobre Questões Amorosas – Clínica Psicológica PUC/SP
"O amor de duas criaturas humanas talvez seja a tarefa mais difícil que nos foi imposta, a maior e última prova, a obra para a qual todas as outras são apenas uma preparação". (R. M. Rilke, Cartas a um Jovem Poeta)
Não podemos considerar esta visão do amor como obra de uma fantasia pueril, sem renegar a possibilidade de saborearmos a maturidade dos frutos amorosos. Segundo o poeta, o grande empecilho para a realização da obra máxima da vida está, justamente, em seu cerne: no amor as pessoas podem perder a sua individualidade, mergulhando em um estado de confusão e indiscriminação, cujos laços de dependência fatalmente irão gerar desilusão e empobrecimento.
Este tipo de entrega amorosa provoca uma busca por segurança e por convenções que garantam uma solução fácil para o problema do amor. Casamento, filhos, família, tudo isso aparece, neste contexto, como uma condição de garantia que falseia o sentido verdadeiro das relações amorosas.
Nesta perspectiva, o amor insurge como a vitória da liberdade e não da escravização à conformações convencionais. No entanto, a impossibilidade de entrega, também é, na perspectiva do amor, um fruto infecundo. Se a fusão que despreza as individualidades acaba por propiciar uma mistura na qual a liberdade não é contemplada, a incapacidade de gemelar-se (ou mesmo fecundar) num objetivo comum recusa o princípio de que o amor transcende os elementos particulares da relação, na direção de um "filho metafórico" que é mais do que a soma das partes, uma vez que, quando amamos, devemos sempre nos orientar segundo um terceiro que vai além de nós mesmos.
Nos casos nos quais há mistura, ou não há entrega, ocorre um fechamento para a dor inevitável do amor, pois este é crescimento e, portanto, se há algo a ser entregue e se há entrega, há também a possibilidade de espelhar o melhor e o pior de nós mesmos.
O amor é orientação e crescimento. Isto quer dizer que o amor é destino. Mas não um destino que está fora de nós mesmos, ou do qual não participamos. Nele estão contempladas todas as nossas vivências anteriores: os monstros, os modelos e as feridas que adquirimos ao longo da vida, assim como da vida de nossos acompanhantes.
Misturar-se com o outro é negar em si a existência destes elementos, o que impede a possibilidade da resolução dos conflitos. Querer manter-se puro e não se entregar na direção de um objetivo comum é também negar o futuro das relações amorosas.
A impossibilidade de encontrar nas desilusões e conflitos amorosos uma saída que seja capaz de vislumbrar estes modelos, feridas e monstros, não viabiliza a criação de um modelo que seja singular e próprio do casal e que também possa vislumbrar um mais além em relação à soma das partes.
Há inúmeras possibilidades de falsear uma relação amorosa: evitar os desprazeres do amor impede o crescimento de si e do outro no confronto com ser amado. Debitar no outro a fonte de todo o desprazer é uma forma de ignorar os monstros internos, que são colocados no outro (mesmo sem percebermos).
Não se envolver é também uma saída convencional para abdicar do caminho do amor. Podemos chamar estes modos de falseamento de uma indiscriminação e de uma fusão que não respeita as individualidades, mas também de uma incapacidade de entrega amorosa na direção da superação de tais individualidades. A relação amorosa é um lugar privilegiado para o surgimento de tais monstruosidades, mas é, justamente por isso, que nela reside o germe do crescimento.
Autores e integrantes do Grupo de Aprimoramento Junguianao PUC-SP : Carla Regino, Fernanda Menin, Helena Girardo de Brito, João Paiva, Lilian Loureiro, Luiz André Martins, Mariana Leite, Marina Winkler, Priscila Parro e Thiago Pimenta – sob a coordenação da profa. Dra. Noely Montes Moraes