Por que aceleramos o tempo da Terra? 

Aceleramos o tempo da Terra através do uso da razão irracional. Mas… para quê? E agora, onde fica o tempo, o espaço, para uma vida autêntica?  

O último dia 29 de junho foi o mais rápido da história. Obviamente se trata daquela história que é medida pelos seres humanos. A Terra foi um pouco mais rápida do que o normal para girar sobre si mesma. Uma fração de segundos, tão pequena, que quase não tem um nome próprio. Os cientistas não sabem explicar o fenômeno.

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Essa aceleração não caracteriza um avanço detectável na velocidade de rotação da terra – algo que deveria nos preocupar. Pois se o planeta estivesse acelerando, então poderíamos ter problemas muito agudos ligados ao encurtamento dos dias e aos impactos disso sobre os seres vivos e sobre a própria estrutura da Terra. Porém, tudo indica que não se trata de nada preocupante. Então, porque algo que não é preocupante, que não afeta diretamente nossas vidas, torna-se noticioso?

Acho que é porque a Terra está acelerada.

Não me refiro ao planeta. Refiro-me à parte humana dele, às nossas crenças e expectativas, ao modo como nos relacionamos uns com os outros e com os demais seres. Tudo indica que vivemos aceleradamente. Não creio que essa aceleração ocorra por pressa ou simplesmente porque estamos nos tornando ansiosos. Creio que nossa pressa é racional.

Por que aceleramos o tempo da Terra? 

À medida que adotamos padrões racionais de ação, vamos nos desprendendo de tudo o que é inessencial. Inessencial do ponto de vista da razão, é claro. Se organizamos nossas vidas racionalmente, o que nos interessa prioritariamente são as metas que escolhemos. E as metas exigem meios próprios, aqueles que as podem tornar reais, factíveis. Se quero obter determinado resultado, a razão me indica qual é a melhor maneira de obtê-lo. Isto é, qual é o procedimento mais ajustado para conseguir obter o que desejo.

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Não estou me referindo a uma concepção materialista da vida. Na verdade, não importa o que busco – se são coisas, seres, valores ou crenças. O que é relevante aqui, é que tomo algo como desejável e o submeto a procedimentos racionais como estratégia para obtê-lo. Agindo assim, traço uma linha reta entre a meta e os meios necessários para realizá-lo.

Trajetos de vida ‘cronometrados’, lineares e organizados

Essa racionalização da vida implica no descarte de tudo aquilo que não é racional. Isto é, o trajeto existencial que me leva da situação em que me encontro, até aquela em que desejo estar, torna-se linear. Toda a diversidade de coisas que não se apresentam como meios para a realização de meus desejos ou são desvalorizadas como secundárias ou são simplesmente esquecidas.

Assim, a vida se torna racional. Os trajetos de vida se tornam lineares e organizados – mesmo quando definidos com base na liberdade de escolha dos indivíduos. Afinal, as metas são escolhidas por nós e isso pode ocorrer de maneira livre. O tempo que decorre entre a eleição de uma finalidade e a obtenção dessa meta é encurtado pela racionalização, pelo descarte do secundário. Esta racionalização nos permite poupar tempo.

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Depois de vivermos uma vida racional, em que nossos objetivos foram alcançados de maneira relativamente bem-sucedida (sejamos otimistas), usamos o tempo economizado para quê? Em geral, usamos esse tempo para nós. Quer dizer que usamos o tempo economizado pela racionalização da vida para ter uma vida menos racional. Afinal, viver uma vida para nós, ter um tempo reservado para coisas pessoais, significa desvincular o que fazemos dos processos racionais.

A maioria das pessoas, depois de atingir seus objetivos, depois de racionalizar suas vidas, busca algum refresco, um ar puro, um tempo dotado de uma dimensão mais densa, menos plana, menos crivada por meios e fins. Nesse caso, o ritmo da respiração se altera, há um certo alívio ligado ao fato de que, agora sim, se pode viver uma vida mais autêntica. Então, aceleramos a Terra para economizar tempo e, então, podermos gozar do tempo economizado. Não cogitamos na hipótese de viver a vida sem pressa, diretamente, sem esse período intermediário de aceleração racional que toma sua maior parte. Mas isso é irracional. A velocidade que gera economia é irracional. O uso da razão é irracional. E a aceleração da Terra só faz sentido se continuamos a acelerá-la irracionalmente. Isso definitivamente não é racional.

Ronie Alexsandro Teles da Silveira é professor de filosofia e trabalha na Universidade Federal do Sul da Bahia. Mais informações: https://roniefilosofia.wixsite.com/ronie