A forma como vivemos nosso tempo, como o usamos, revela o que está no centro da nossa vida
É inquestionável que nossa sensação sobre o tempo mudou, ao longo dos anos, principalmente em função do avanço das tecnologias da comunicação. Somos comissionados a fazer o tempo render muito além do nosso limite porque precisamos aproveitar, ao máximo, as oportunidades que roçam nossa existência.
No entanto, as emoções e sensações que desfrutamos dessas conquistas são tão efêmeras, duram tão pouco que, logo em seguida, o vazio se instala e a corrida para experimentarmos novos aromas bate à nossa porta.
Pausar a correria? Nem pensar. Somos dependentes desse estilo de vida, da inestancável movimentação, dessa inquietude que nos afasta da possibilidade da autorreflexão, da delicadeza da solitude que poderia nos levar à consciência e à retomada do destino.
O mundo ficou ligeiro e superficial demais.
Viver para satisfazer os desejos de modo fragmentado, sem conexão com o ontem e com o amanhã, pousou no nosso peito.
Parece que nada tem uma face duradoura, restando-nos apenas a insuportável sensação de que, nessa passagem das horas, não pertenço a nada. Corro sem direção.
Reflexão sobre o tempo e o sentido da vida é antiga
A discussão do tempo é complexa e antiga. Na filosofia, vemos o início dessa reflexão com Santo Agostinho e, segundo seu olhar descrito em suas confissões, o tempo seria uma construção ou elaboração do espírito, sem existência fora dele. Ele acredita ser difícil discorrer sobre o tempo e o desenvolve como subjetivo, ou seja, como uma maneira humana de se relacionar com as coisas que passaram, passam e passarão.
Ainda de acordo com Santo Agostinho, enganam-se os que colocam Deus sobre relações temporais próprias do modo como o homem organiza este mundo (relações de sucessão e simultariedade). Ele queria saber se o tempo é uma característica do mundo físico objetivo ou um fenômeno subjetivo (como aponta em sua confissão). De acordo com Santo Agostinho, o passado não existe mais, o futuro ainda não chegou e o presente torna-se pretérito a cada instante.
O que seria próprio do tempo é o não ser. O passado existe, por força da minha memória, no presente. Da mesma forma, o futuro existe, por força da expectativa de que as coisas ocorrerão, no presente. E o presente seria a percepção imediata do que ocorre.
O tempo é subjetivo
Os tempos são três: presente das coisas passadas, presente das coisas futuras e presente das coisas presentes. Portanto, o tempo é subjetivo, pois o modo como nos referimos às coisas depende totalmente de elementos internos (memória, expectativa, sentimento etc), a apreensão ontológica do tempo não é possível.
O que colocamos em relações temporais são impressões mentais – tempo passado, memória; tempo futuro, expectativa; tempo presente, passado presente e futuro presente. Outra vertente sugere que o tempo é inconstante e depende da velocidade em que é sentido, das emoções que carrega, das nuances em que é percebido e dos trejeitos do seu caminhar. Nessa linha, fica claro que não o compreendemos só como um sentido ou uma sensação, mas de diversas formas combinadas.
O tempo e a existência
A sua existência não estaria pautada só nos acontecimentos, mas nas relações entre os acontecimentos, sejam eles no passado, presente ou futuro. Um elemento onipresente, um aspecto inseparável da existência. Que tema complexo! São tantas as suas expressões… tempo cronológico, tempo psicológico.
No universo da literatura, percebemos nas narrativas a liberdade de brincar com o tempo, de pode recuar ao passado (analepses), avançar no tempo (prolepses) e suprimir espaços temporais (elipses). Os apaixonados por uma boa prosa ou poesia deleitam-se nessa instigante viagem.
Podemos fazer o mesmo na vida cotidiana? Podemos. Mas que bela confusão acarretaríamos. Perdidos no nosso próprio tempo, embarcamos no tempo de quem nos convida a participar. Afinal, quem é que está completamente sintonizado com o mundo ao seu redor? Ou, ainda, quem é autor, de fato, de sua própria história?
Por essas e outras que as infinidades de técnicas e truques para estruturar e gerenciar o tempo, a fim de ampliar a produtividade diária, se revelam limitadas.
Penso que a questão é de outra natureza.
A forma como vivemos nosso tempo, como o usamos, revela o que está no centro da nossa vida, nossas crenças, valores, relação com as outras pessoas, conosco e com Deus.
Assim, a maneira de viver meu tempo, como eu o estruturo, está intimamente vinculada ao sentido que dou à minha vida.
É preciso relativizar o frenesi, entrar em contato consigo, descansar, promover certos recuo e distância para transformar nosso tempo em oportunidade de encontro e mudança. Tocar em novas convicções, caminhos, escolhas, assumindo a nossa vida e a nossa responsabilidade por ela.
Criar o hábito da meditação e aprender a ter controle dinâmico sobre o tempo sugerem posturas tão sábias! Quando nos permitimos ser tomados pela agressão das circunstâncias, percebemos que estamos lutando com o tempo como um rival, que nos domina e nos escapa. Mas, quando nos permitimos escolher, vivemos uma mudança radical de orientação, abandonamos uma passividade ativista para assumir uma atividade de expressão do nosso ser interior.
Tempo de descanso: uma pausa no tempo
Meditar, silenciar e se recolher.
Dia do descanso, tempo de parada, oportunidade do ser humano afirmar a sua liberdade frente ao que faz.
Esse “tempo de descanso” oferece ao homem, tão orgulhoso de tudo o que criou, um distanciamento para não ser controlado por aquilo que conquistou.
Essa parada nos penetra e nos transforma. Não se trata de uma data definida, mas de um ambiente que se desfruta no fundo da alma.
A sabedoria do coração mostra-se na aceitação da minha fragilidade e da minha temporalidade.
Por meio de uma mudança no coração podemos nos reconciliar com nosso tempo. A maneira de viver nosso tempo revela o sentido que damos à nossa vida.
Que cada segundo se dilate em um agora que tem o aroma da eternidade.
Desejo de coração a todos.