Um dos fatores é a falta de limites não impostos pelos pais. Pelo menos três gerações já se passaram desde o ponto de inflexão onde o autoritarismo na criação e educação de crianças deixou de existir. O que aconteceu com essas pessoas?
Há muitas décadas, já se tem observado uma tendência à mudança nas relações pais-filhos. Até ao redor da metade do século passado, a criação e a educação de crianças seguiam padrões rígidos, autoritários por parte de pais e professores que impunham obediência total às regras, muitas vezes de forma despótica. Pais mandavam e filhos obedeciam, professores mandavam e alunos obedeciam. Questionamentos não eram permitidos, infrações eram severamente punidas.
Muitos filhos de pais dessas gerações autoritárias, quiseram educar seus próprios filhos dentro de uma ótica diferente, até oposta. A literatura pedagógica e psicológica da época dava respaldo a essas novas formas de educação, mostrando que uma criação repressiva demais poderia prejudicar até o desenvolvimento intelectual da criança e do adolescente.
Visando criar filhos de forma mais livre, com valorização do autoconhecimento e incentivo às dotações individuais, muitos pais tornaram-se excessivamente permissivos e, assim, surgiram muitos filhos mimados, sem noção de limites. A literatura especializada do final do último século, em função disso, começou a mostrar a necessidade da colocação dos limites para a educação adequada.
Pais não precisam ser temidos, mas respeitados e valorizados
Ressaltou-se que os pais não precisavam ser temidos, mas precisavam ser respeitados e valorizados, pois são os modelos primários de identidade para seus filhos. Pais precisavam continuar como figuras de autoridade e normas, princípios e regras permaneciam necessárias.
Muitos fatores hoje influenciam as relações pais-filhos, como: as mudanças na cultura e na sociedade, atualmente trazendo o politicamente correto, os grandes avanços da tecnologia criando os chamados “nativos digitais” e expandindo às mídias sociais.
O que aconteceu com as crianças criadas sob a permissividade?
Pelo menos três gerações já se passaram desde o ponto de inflexão onde o autoritarismo na criação e educação de crianças deixou de existir. Que aconteceu com essas pessoas? São mais inteligentes, mais bem dotadas, mais autônomas? Não necessariamente.
Nota-se o aumento de ansiedade tanto na vida pessoal como na vida profissional, a busca de gratificações imediatas e de resultados instantâneos, a dificuldade de sustentar focos de atenção e o medo de comprometimentos, afetando a relação com as pessoas na carreira profissional e na família.
Talvez, pela sentida aceleração do tempo na época contemporânea, tudo precisa ser rápido e, se possível, imediato. O aumento da ansiedade é notório e a necessidade de medicação também.
Mas, parece existir um fator importante subjacente. Hoje, existem muitas pessoas que não foram ensinadas adequadamente a lidar com frustração, por não terem vivido as interdições necessárias a seu comportamento e elas têm menos recursos para se adaptarem às contingências da vida cotidiana atual e para permanecerem mais saudáveis.
A dificuldade de lidar com frustração é um tema já abordado há tempo nessa coluna, mas continua importante, talvez mais necessário ainda, na atualidade. Frustração é um estado emocional resultante do impedimento da satisfação de um desejo. A pessoa é confrontada com uma barreira que bloqueia a possibilidade de alcançar o objetivo pretendido.
Fontes de frustração
As fontes da frustração podem ser externas ou internas. As fontes internas da frustração envolvem limitações pessoais como falta de recursos cognitivos ou falta de condições emocionais para atingir metas. As causas externas da frustração se relacionam a condições fora do controle da pessoa.
Enfrentar uma situação de frustração não é prazeroso para ninguém, pois a satisfação do que se desejou não ocorre e a motivação para o ato tem que ser interrompida. A vivência de emoções como tristeza e raiva pode ser imediata, mas enfrentar uma frustração não significa necessariamente desistir do que se desejou ou abandonar o que se pretendeu. Pode sim dar sentido à procura de uma alternativa mais adaptativa para buscar conseguir o que se queria.
Assim, saber enfrentar frustração significa desenvolver capacidades adaptativas, tanto emocionais como intelectuais para realizar uma mediação entre as demandas do mundo externo e as demandas do próprio mundo interno de desejos e necessidades. Para isso, é preciso desistir da busca do prazer imediato, pois é necessário saber adiar a satisfação do desejo, tolerar esperas, aguentar a tensão, que é gerada internamente, para então ter recursos visando procurar boas estratégias para conseguir o que se pretendeu, dentro das condições do ambiente onde se está inserido.
Ser confrontado com situações de frustração faz parte da existência. Saber enfrentá-las vai depender de um aprendizado que ocorre ao longo da vida. O ser humano não nasce sabendo lidar com frustração. É um aprendizado que deve ser adquirido e desenvolvido desde a chamada primeiríssima infância, sendo os pais os primeiros e os principais responsáveis por tal aprendizado.
Entretanto, adultos que não sabem lidar com frustração, que não aguentam a tensão interna aumentada pela não satisfação imediata do desejo, que não assumem a responsabilidade pelos seus atos, mas projetam nos outros ou nas situações a causa de suas frustrações, não irão conseguir ensinar os filhos a enfrentar frustração. Esse será o mal da nossa época? Uma sociedade imediatista, que não admite ser frustrada, por consequência, uma sociedade mais intolerante e agressiva?