por Juliana Zacharias – Psicóloga componente da equipe do NPPI
Uma das críticas mais comuns ao advento da Internet e das comunicações interativas por suas vias (chats, sites de relacionamento, UOL K, Orkut, etc.) é a possibilidade das pessoas ali se apresentarem com falsas características físicas, 'mudarem' seu jeito de ser, sua profissão, até mesmo o seu sexo. Tanto os representantes da mídia quanto os estudiosos do meio acadêmico, ao pesquisarem o comportamento humano frente às novas tecnologias, se mostram intrigados diante dessas formas de 'mentira', e até mesmo parecem ter sua curiosidade aguçada frente a essa possibilidade.
Seríamos muito simplistas se disséssemos que o homem está atuando dessa maneira apenas porque a Internet abre essa possibilidade. Esta é, sem dúvida, parte da verdade, uma vez que o anonimato propiciado pela Net, facilita, por exemplo, um certo descompromisso nos relacionamentos estabelecidos nos chats, e permite a comunicação entre os participantes sem que haja uma real 'exposição' dessas pessoas. Mas a Internet, na mesma medida, nos permite também ampliar as relações (amorosas, profissionais, ou de amizade) e essa mesma condição de anonimato – que propicia a 'mentira' – também abre a possibilidade de um grau de auto-exposição surpreendente entre as pessoas que optam por uma atitude de 'sinceridade virtual'.
Assim, uma pergunta inevitavelmente se faz necessária: por que o ser humano mente ? E junto a ela se seguem outras: estaremos mentindo mais? Ou ainda: Por que será tão difícil 'ser' quem realmente somos? Todas as 'mentiras da Net' são iguais?
Claro que não podemos deixar de qualificar esse 'mentir'. Também, não podemos ignorar a utilidade que esse mentir pode ter, em alguns casos. Pensemos num menino adolescente, tímido, que frente a uma menina ou a um grupo de amigos, não consegue expor as qualidades e habilidades que realmente possui, tais como inteligência, senso de humor refinado, etc. Num chat, ele pode brincar de ser extrovertido, ou seja, pode se expor sem medo de se machucar, experimentando assim outras facetas de si mesmo. Passada essa experiência, é claro que será importante que ele perceba que tem um estilo próprio, e que pode se manifestar com maior segurança, na vida presencial.
Com esse exemplo quero ilustrar um primeiro aspecto deste 'mentir' como sendo uma possibilidade de experimentação de novas maneiras de ser ou de descoberta de aspectos próprios antes não reconhecidos. A partir dessas descobertas, se faz necessário o risco de expor essas características em outras manifestações de nossa vida.
Uma outra possibilidade deste 'mentir' é aquela na qual a Internet é usada como ferramenta para atividades ilícitas ou mesmo criminosas, como o aliciamento de menores ou tráfico de drogas. Na Net, como em todos os campos do humano, a lei se faz necessária. São seres humanos que usam a Internet, seres que fazem escolhas, e que têm que se responsabilizar por elas.
Contudo, existe um 'mentir' na Net que não tem relação com uma ação criminosa, mas que também não amplia as possibilidades da pessoa. Mentiras que parecem amarrar a pessoa e não a ajudam a descobrir novos aspectos de si mesmas.
Pensemos em outro exemplo: uma moça que se comunica via Internet com um rapaz. Ele pede a ela que envie uma foto, e ela lhe manda uma foto de uma outra mulher, linda de rosto e corpo. É possível que esta foto estimule o rapaz a continuar o contato com ela, que se apaixone e que, quando a conheça, não se importe com a mentira? Claro que é, estamos falando de ser humano, um animal criativo e surpreendente. Mas até lá (e se isso acontecer), essa moça terá se colocado em uma grande armadilha. A armadilha da suposta apresentação de si mesma em função de uma imagem idealizada.
Vivemos em um mundo (e uma era) onde supostamente 'devemos ser' muitas coisas: competentes profissionais, grandes filhos, conscientes cidadãos, ardentes amantes, maravilhosos esposos (ou esposas) e, claro, superpais. Angustio-me só ao relacionar estes tantos 'deveres'! Esse 'dever ser' nos escraviza por um lado, mas vislumbrar a possibilidade de, em algum lugar, por alguns momentos, poder mesmo ser tudo isso, é fascinante. E um bom exemplo desse 'lugar' é a Internet.
Voltemos, então, à nossa moça. Ela conheceu um rapaz, trocava todo o tipo de comunicação com ele, mas em algum aspecto ela não se sentia suficientemente completa: no caso, fisicamente não atraente. Ela então, vai atrás de um ideal de beleza para preencher aquele espaço de si mesma, que ela entendia como vazio.
Para servir a esse artifício a Internet funciona muito bem. Mas a questão é anterior: por que sentimos tanto medo de ser nós mesmos, incompletos e nem sempre brilhantes? Será que não é mais fácil enxergar que podemos ser especialmente interessantes sem termos que ser 'outro'? Ou ainda, sem termos que ser perfeitos em todos os aspectos?
A reflexão à qual devemos nos propor, a cada momento em que nos sentirmos tentados a mentir (afinal, todo mundo faz isso) ou em que apenas estivermos refletindo sobre a mentira na Net é: a serviço do quê ela está ali? E se a resposta for: porque quero ser (ou apenas parecer?) alguém que não sou, o problema não estará na mentira em si mesma. Mas, poderá estar no sentido que estaremos atribuindo a esse falseamento da verdade: a busca por um ser (ou estar) em um lugar ao qual nunca se chegará. Não ao menos por esta via!