por Roberto Goldkorn
Essa é a frase mais famosa da literatura italiana e uma das mais citadas da literatura universal. O poeta Dante Alighieri na sua Divina Comédia, começa dizendo estar perdido, no meio do caminho de sua (nossa?) vida em uma selva escura, cuja trilha ele havia perdido ou se perdido ou se extraviado.
O imortal Dante captou um sentimento universal e atemporal de perplexidade e certamente de angústia e medo que acomete os seres humanos ao se confrontam com a linha do tempo de suas vidas.
Chegar ao meio da vida. O que significa isso? Como se sabe que é o meio, se não se pode saber qual é a duração do inteiro? Quarenta anos é o meio da vida? Claro, se tivermos a garantia de que vamos viver oitenta. Mas o peso da “meia-idade” não respeita racionalizações desse tipo.
Recentemente um repórter de TV me relatou sonhos preocupantes de que estava voltando a morar na casa dos pais, e que por isso brigava feio com o irmão de quem gosta e na vida real nunca briga. Ele está na chamada meia-idade, e quando disse que o seu sonho não era necessariamente profético ou premonitório, ele respirou aliviado, afinal seria um baita de um retrocesso voltar, já maduro e com família a viver com os pais. Mas se não é um sonho que acena com o futuro, por que se repete com tanta insistência? Esse é um sonho de temor, respondi. É um sonho que reflete o seu temor do fracasso de seu projeto de vida. O medo de ter de voltar com o rabo entre as pernas se vier a perder a sua aposta na vida.
Em geral isso acontece quando as coisas vão mal profissionalmente, ou a dúvida se instala mesmo que sutilmente, sobre se tomou o caminho certo para a sua carreira ou vida pessoal. O sonho é a configuração desse temor. É ao mesmo tempo um filme de ficção que tem o objetivo de o apavorar ante tal perspectiva e que de brinde deixa uma mensagem: se você não se mexer, não virar o jogo, vai voltar para casa do papai ou da mamãe e ter de usar calças curtas, pedir a benção, dizer que hora vai voltar para casa, ou seja, para um homem adulto pais de filhos, é um pesadelo.
Outro lado
Popularmente chamamos essa situação de crise da meia-idade, onde o declínio físico já é visível, e a sociedade baseada na cultura da juventude e da beleza começa a nos apontar o dedo acusador. Faço do desvelar da essência das coisas, ocultada pelas suas aparências, o meu ofício (o nome da coluna que escrevo é “O Outro Lado”), por isso fico escarafunchando aquilo que se mostra a nós como realidade. Digo isso a respeito da quase que epidêmica onda de pedofilia e de crimes contra as crianças e jovens que assola a nossa sociedade. Não vou citar casos pois a imprensa avidamente os estampa na nossa cara.
Vejo psicanaliticamente, essa fúria dos seres “maduros” contra jovens ora uma tentativa de se nutrir de seu vigor vital, ora uma gana desvairada de se vingar do relógio da vida que nunca pára. Crianças seduzidas e violentadas, crianças esmagadas, atiradas pelas janelas, desmembradas, tudo para tentar deter o tempo, como se matando a juventude (ou sugando-a via sexual) pudéssemos mitigar a nossa própria decrepitude. A natureza nos apetrechou para produzir descendentes justamente para que pudéssemos projetar nossos genes e assim alcançar a tal imortalidade. Mas numa época de um individualismo tão seco, não temos mais a visão e o sentimento da espécie e sim do indivíduo. Não nos preocupamos mais em sobreviver como espécie, como coletivo, mas somos capazes de fazer de tudo para sobreviver como egos imperfeitos.
Já está longe a época em que indivíduos alegremente davam as suas vidas para que a comunidade sobrevivesse. Por isso o sonho de voltar a morar na casa do pai na meia-idade nos apavora. Não há maior temor que ser reprovado no “provão” do sucesso que é feito sempre que atingimos o que Jung chamou de Alteridade. “Você já tem casa própria? E o carro? É do ano? Está pago ou foi financiado em 158 meses? Seus filhos tiveram de sair da escola particular para voltar para a pública? Hum, hum, nada bom. Esse é o seu segundo casamento e pelo visto vai pro vinagre também? Mais uma pensão para ex-mulher? Hum hum nada bom! Seu patrão anda descontente com o seu rendimento? Já ouviu boatos da contratação de um sujeito vinte anos mais novo? Depois do exame de próstata o médico lhe chamou para uma conversa séria? Hum hum nada bom!!!” Não importa se está feliz com a sua vida atual, se o “provão” disser que está aquém dos padrões esperados, você estará em maus lençóis e corre o risco de ouvir de alguém: “De que é que aquele cara está rindo? Parece uma hiena!”
Do meu ponto de vista a crise da meia-idade é antes de mais nada uma crise de valores, ou seja, só é crise se você se deixar arrastar pela onda dos valores culturais da sociedade afluente (ou seja a nossa). Naturalmente não é muito saudável chegar aos 50/55 sem eira nem beira, e o que pior sem perspectivas e com pouca saúde. Isso é o passaporte carimbado para a dependência, seja do estado (tá ferrado) seja da família ou da caridade alheia. Mas aqui entre nós, somos hoje o que plantamos ontem e antes de ontem. Quem te medo do futuro é porque sabe que plantou errado, não plantou chongas, ou sofre de uma insegurança paranóide.
Uma dica final para o senhores e senhoras “maduros” que tremem com sonhos de volta para a casa dos pais: usem seu sonho atemorizante como guia para revolucionar as suas vidas. Criem planos com metas de três a cinco anos para conquistar a tão sonhada estabilidade mesmo que isso signifique dar um cavalo de pau em suas trilhas atuais. Não desperdice o seu precioso tempo (passa rápido sim, na verdade voa) choramingando, ou odiando a juventude dos outros, ou procurando culpados pela sua situação. Só há um responsável por tudo: VOCÊ! Assim só você pode virar o jogo ou morrer tentando, em qualquer uma das hipóteses, é melhor que voltar para a casa dos pais.