Entenda por que o atual modelo do trabalho, fomentado pela especialização, nos impede de ter empatia com as habilidades do outro
Praticamente ninguém desconhece os efeitos nocivos da maneira como organizamos o trabalho em nossa sociedade. De uma maneira ou de outra, todos nós sabemos o que significa ter de abandonar sonhos em função da necessidade de focar os esforços em alguma área profissional. Qualquer um que se defina, hoje, como um profissional generalista, está condenado a perder espaço e salário.
Para estar bem adaptado e em condições de ocupar funções bem remuneradas, é necessário transformar-se em um especialista. No ambiente acadêmico se fala muito da necessidade de formar profissionais com uma capacidade intelectual mais abrangente para compensar o excesso de especialização. Mas só se fala disso e nada de efetivamente significativo é feito. A marcha da especialização segue firme.
Qualquer um que seja curioso pode fazer a seguinte pesquisa: pergunte para seus conhecidos se eles trocariam de posição de trabalho se pudessem. O resultado certamente será alarmante. Quase todos o fariam. Na verdade, essa é uma parte de uma pesquisa mais ampla em que você poderia questionar quem se sente feliz com seu atual estilo de vida. Mas para não nos desesperarmos, vamos ficar só com a pesquisa sobre o trabalho. Você irá constatar, como eu, que quase ninguém realmente faz o que gosta.
Porém, há um efeito na especialização que me parece ainda mais danoso. Quando realizamos várias funções, quando nos dedicamos a inúmeras atividades práticas ou intelectuais, passamos a compreender gradualmente o que está implicado nelas. Por exemplo, pode ser bastante trivial morar em uma casa cujas paredes foram levantadas por pedreiros e ajudantes. Essa é, inclusive, uma ideia difusa do que significa levantar paredes de tijolos.
Um pedreiro precisa, antes de mais nada, colocar as paredes em esquadro partindo do nada. Quer dizer, há um espaço nem sempre geometricamente perfeito, dentro do qual se erguerá uma casa. Essa, se espera, deve ser geometricamente perfeita. Então, é necessária alguma noção de geometria básica porque uma linha torta enviesa todas as outras e o resultado pode ser pífio. Minha casa, por exemplo, é torta com relação ao terreno. Esse último não está no esquadro e muito menos a casa…
Além disso, para se levantar uma parede é preciso conhecer os materiais com que se trabalha. Afinal, a resistência é um requisito da parede, tanto do ponto vertical quanto horizontalmente. Também é necessário que a parede seja reta, tenha alinhamento e nivelamento. Afinal, sobre ela vai um telhado e contra ela irão móveis que devem se ajustar às linhas retas. Por aí vemos que há uma série de conhecimentos e habilidades envolvidos no levantamento de paredes que desconhecemos totalmente. E desconhecemos porque não praticamos esse tipo de habilidade. Considere que tudo isso é colocado em ação em condições de esforço físico e nem sempre com as devidas condições ambientais e sanitárias que favorecem a concentração.
Empatia e especialização andam de mãos dadas
Com esse exemplo quero chamar a atenção para o efeito danoso da falta de empatia. Como não praticamos atividades diferentes daquelas típicas de nossas áreas profissionais nos tornamos gradualmente incapazes de empatia. Isso porque não fazemos noção do que é necessário para realizar coisas que desconhecemos. Não só é verdade que a especialização nos torna ignorantes com relação ao mundo que nos cerca, mas também o é que ela nos impede de desenvolver empatia.
Nenhum de nós está habilitado a compreender as habilidades que outros seres humanos utilizam em suas profissões porque somos especialistas. E isso nos impede que compreender o que outros fazem, como vivem, como agem. Não é de se espantar que a empatia comece a se tornar objeto de ensino teórico nos sistemas de ensino.
Entretanto, nesse caso, parece que a teoria pouco pode fazer por nós. Talvez o melhor mesmo é que cada um comece a construir sua própria casa. Pelo menos assim, podemos ter alguma empatia pelos pedreiros.