por Monica Aiub
Esta é uma pergunta muito comum. Algumas respostas iniciais assemelham-se aos motivos pelos quais estudamos o cérebro. Mas mente e cérebro são a mesma coisa? O que vem a ser a mente? Não seria esse, um campo da psicologia? Ou seria um estudo próprio da medicina, em especial da psiquiatria? Ou ainda, não seria melhor abordar o problema a partir da neurociência?
Mais precisamente, o problema da filosofia da mente é o problema mente-corpo. John Searle, em Mind, aponta alguns motivos pelos quais os métodos utilizados pela ciência para estudar a natureza são insuficientes para estudar o mental, entre eles: subjetividade, consciência, intencionalidade e causação mental.
Podemos mapear o cérebro com tomografias, ressonâncias e outros exames, mas não temos acesso aos conteúdos do pensamento, exceto pela descrição do próprio sujeito pensante; dizemos que temos consciência mas não conseguimos definir o que é a consciência; sabemos que direcionamos nossa atenção, nossa percepção, nosso pensamento para alguns pontos e não para outros, mas não sabemos por que isto ocorre; observamos as íntimas relações entre nossos estados mentais e nossos estados físicos, mas não sabemos explicar como isto se dá.
O início do problema mente-corpo encontra-se no pensamento cartesiano, que propõe a existência de duas substâncias distintas: a substância corpórea ou res extensa, e a substância pensante ou res cogitans. Ambas substâncias interagem causalmente de modo a formar no humano um amálgama, seu ponto de interseção é a denominada glândula pineal, que seria o correspondente à parte do cérebro que não se apresenta em dois hemisférios (clique aqui e leia).
Observe, leitor, que no pensamento cartesiano, na Modernidade, já temos o indicativo de uma mente imaterial, que não pode ser estudada pelos métodos e critérios da ciência que estuda a natureza e um corpo material, que funciona e pode ser estudado a partir dos métodos e critérios da ciência. O lugar do mental no corpo, apontado como uma parte do cérebro, traz a associação, já feita anteriormente por outros pensadores, entre mente e cérebro.
O que é isto que não pode ser estudado pela ciência, o que é esta substância que não pode ser dividida, não pode ser conhecida pelos métodos que conhecem a natureza? Apesar de termos uma “ciência do mental”, não temos, ainda, resposta à pergunta, o que não torna inócua a investigação, nem dispensável a psicologia.
O problema mente-corpo tal como foi proposto por Descartes, permanece como problema filosófico na atualidade.
1990: década do cérebro
Em 1949, Gilbert Ryle, em O conceito de mente, afirmou ser esse um problema de linguagem, portanto um pseudoproblema. Sua afirmação fez renascer o debate e o século XX foi marcado por vários estudos sobre a temática. Diante de tantos questionamentos, diante de muitos casos de afastamentos no trabalho por transtornos mentais, devido ao aumento significativo dos casos de depressão, a década de 1990 foi declarada, nos Estados Unidos, a década do cérebro, resultando em muitos investimentos em tais pesquisas.
Entre os motivos para estudar o cérebro encontramos: As chamadas doenças da velhice (Alzheimer, Parkinson); o aumento de transtornos psiquiátricos advindos da forma de vida na atual sociedade, gerando muitos afastamentos do trabalho e consequente ônus ao governo; a dependência de drogas controladoras de humor; as pesquisas sobre drogas para desenvolvimento cognitivo, com investimentos altos vindos da indústria farmacêutica.
Descobrimos e continuamos descobrindo muito sobre o funcionamento de nosso cérebro, mas esse conhecimento ainda é insuficiente para nos explicar o que é a mente, como é formado nosso pensamento, como nossos estados mentais (crenças, desejos, sentimentos, sonhos, etc.) surgem e quais as interferências entre eles e os estados físicos.
Por não termos elementos para explicar os estados mentais a partir dos métodos e critérios utilizados pela ciência para conhecer e explicar a natureza e, ao mesmo tempo, por nos parecer essencial ao humano conhecer estados que implicam em sua subjetividade, em seus estados conscientes, em sua intencionalidade e que geram, inclusive, alterações em seus estados físicos; também por acreditarmos que nossos estados mentais revelam aquilo que nos identifica como humanos, aquilo que nos torna o que somos e, principalmente, que são essenciais a nós, alguns pensadores defendem que a filosofia da mente é a metafísica contemporânea, ou seja, aquela que se dedica à busca dos fundamentos de nossas formas de vida.
De outro lado, o exame de nossos processos de pensamento, de construção de conhecimentos, de elaboração e fixação de nossas crenças, denota o caráter *epistemológico dos estudos em filosofia da mente.
Além disso, questões éticas, tais como: devemos modelar nossa mente com medicamentos para nos adaptarmos às formas de vida contemporâneas ou devemos rever nossa organização social e política, buscando formas de vida mais adequadas a nossas necessidades? Temos liberdade, livre arbítrio, ou simplesmente somos determinados pelo “caldo químico” composto pelos neurotransmissores que provocam os movimentos sinápticos (comunicação entre células nervosas: neurônios) em nossos cérebros? O que se modifica em nós quando incorporamos partes artificiais como próteses, válvulas cardíacas, etc.? O que se modifica em nós pela inclusão de novas tecnologias que atuam através de simulação ou como interfaces? Ocorre uma metamorfose em nossas formas de vida? Em nossos corpos? Em nossas mentes? Lúcia Santaella, em Corpo e Comunicação, diante de tais modificações geradas pela incorporação da tecnologia questiona: seria necessário uma nova **ontologia do humano?
Estes são apenas alguns entre os muitos motivos que temos para estudar filosofia da mente e que a tornam a metafísica contemporânea. Longe de dogmatismos gerados por visões apressadas acerca do mental, a dúvida que coloca nossas certezas em movimento estabelece a interface entre neurociência, medicina, psicologia, inteligência artificial, arte, filosofia e tantas outras áreas do saber que contribuem para a ampliação de nossa compreensão da existência.
*Fil. Ref. ou inerente à epistemologia, à teoria do conhecimento (concepção epistemológica); EPISTÊMIC. iDicionário Aulete
**1. Fil. Parte da filosofia que estuda a natureza dos seres, o ser enquanto ser.iDicionário Aulete
**2. Fil. Doutrina sobre o ser.iDicionário Aulete
Referências Bibliográficas:
DESCARTES, R. Meditações da filosofia primeira. (Col. Os Pensadores). São Paulo: Abril, 1974.
SANTAELLA, L. Corpo e comunicação: sintoma da cultura. São Paulo: Paulus, 2004.
SEARLE, J. Mind. Oxford University Press, 2004.
TEIXEIRA, J. F. Como ler a Filosofia da mente. São Paulo: Paulus, 2009