por Aurea Afonso Caetano
Estamos mais uma vez chocados com a depredação gratuita de uma concessionária de automóveis de luxo na cidade de São Paulo. Estamos? Com certeza, estou eu. Não compreendo muito o que faz com que um grupo decida por um ato desse tipo, qual o sentido dessa violência ou a serviço do que ela está.
Black bloc ou bloco negro é “uma tática de guerrilha surgida no seio de uma vertente alternativa da esquerda europeia no início da década de 1980.
Foi só com a formação de um black bloc durante as manifestações contra a OMC (Organização Mundial do Comércio) em Seatle em 1999, que as máscaras pretas ganharam as manchetes da imprensa mundial. Graças à ação desse black bloc a tática ganhou as páginas dos grandes jornais no mundo inteiro, principalmente porque, a partir de Seattle, os black blocs passaram a realizar ataques seletivos contra símbolos do capitalismo global. Daquele momento em diante, os black blocs, até então um instrumento basicamente de defesa contra a repressão policial, tornaram-se também uma forma de ataque – mas um ataque simbólico contra os significados ocultos por trás dos símbolos de um capitalismo que se pretendia universal, benevolente e todo-poderoso. Foi nesse contexto que a tática chegou ao Brasil.” (Bruno Fiuza em www.viomundo.com.br)
Fui buscar compreender o surgimento desse “movimento” para tentar pensar a respeito de seu funcionamento nas grandes cidades brasileiras. Parece que nossa sociedade tem sido um campo fértil para o surgimento e crescimento desse tipo de tática. As manifestações de junho do ano passado, que levaram milhares de pessoas às ruas, inauguraram um novo momento de participação social. Nós que estávamos tão quietos, acomodados, de repente, saímos às ruas para fazer reivindicações. O estopim foi o aumento da tarifa de ónibus, mas o que se seguiu, e o que se pode ver nos cartazes empunhados pelos manifestantes, foram diversas reinvindicações diferentes, todas elas importantes.
Saímos às ruas como um grupo único, com um desejo único e ao mesmo tempo como indivíduos participantes de pequenos grupos com desejos e sonhos específicos. E, a partir dessas grandes manifestações, no início pacíficas, foram surgindo e se delimitando entre outros os “black blocs”. Pessoas mascaradas, em grupo, praticando atos de violência contra os chamados símbolos do capitalismo opressor. As imagens de (19/06) da depredação da concessionária foram mais uma vez assustadoras. Será que esse grupo já tinha esse objetivo ou o impulso para esse ataque surgiu durante a manifestação? Havia algum sentido nesse ato?
Pensando um pouco na ideia de um bloco negro, distinto dentro de um grupo de manifestantes, imagino que há aí uma energia, impulso ou valor (*positivo ou negativo) que estão aí encapsulados e não encontram outra possibilidade de expressão. Grupo separado, apartado, radical e que almeja um reconhecimento um lugar no mundo. Como “separar o joio do trigo”? Como compreender o que pode haver de positivo nesses movimentos enquanto tantas pessoas aproveitam o momento em benefício próprio, sucateando e muitas vezes roubando?
Para “meu gosto” e gosto da maioria de nós cidadãos que trabalha, paga seus impostos e também procura se expressar de alguma forma, essas atitudes radicais de violência são extremamente desconfortáveis. E este é para mim o grande dilema: black blocs existem, pensando de forma simbólica, porque há falta de luz ou porque não há iluminação adequada. Em algum momento, de alguma maneira, nós enquanto sociedade não conseguimos perceber ou dar conta de nossos pontos cegos, de nossos black blocs e eles estão se tornando um tipo especial de complexo funcionando de forma quase autônoma, com energia tão grande que compromete o funcionamento do organismo social em que vivem.
Precisamos compreender o que fazer com esses “complexos”, como lidar com eles, o que querem, por que é que estão tão carregados de energia, o que não estamos podendo ver. Acredito que enquanto não pudermos olhar para estas questões, os black blocs simbólicos e literais continuarão deixando rastros de violência em sua passagem.
* Positivo no sentido de que há algo importante a ser expresso aí, algo que não está encontrando outra forma de expressão – que pode ser, por exemplo uma crítica ao carro – Mercedes – como um símbolo de status que diferencia um ser humano de outro. Uma crítica ao consumo enquanto forma de estar no mundo, e o desejo de uma sociedade mais igualitária.