Por que mesmo em segurança, nos sentimos inseguros?

As pessoas têm se sentido cada vez mais inseguras e praticamente não existe alguém que declare não ter problemas de segurança. Isto é, mesmo que a pessoa esteja segura, ela não se sente segura.”

É muito comum que as pessoas se sintam inseguras no dia a dia. Há uma tendência visível no Brasil a ampliar os procedimentos de segurança à medida em que as cidades crescem. Assim, cidades de maior porte ou com grande fluxo de pessoas, mesmo que eventual, tendem a aumentar a vigilância e a proteção com cercas elétricas, câmeras, fechaduras, muros, portões, cadeados etc. O cúmulo da ampliação da segurança pessoal é você se sentir aprisionado diante de um muro enorme, com cerca elétrica e concertina – aquela de aspecto prisional cheia de felpas e de formato espiralar – e todo o aparato destinado a gerar tranquilidade.

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As cidades menores ainda não aderiram a esse tipo de tendência em direção ao autoaprisionamento e pouco disso se vê nelas. As cidades de médio porte, principalmente nos bairros de classe alta, estão cheias desses mecanismos que tendem a se expandir à medida que as cidades crescem e atraem mais moradores. É óbvio que isso é típico de um país com péssima distribuição de renda: aqueles em que a riqueza gera pobreza à sua volta. A tentativa de consolidar uma democracia política sem distribuição de riqueza, como parece que estamos tentando, só pode mesmo ser feita com base em cercas cada vez mais altas.

Por que mesmo em segurança, nos sentimos inseguros?

De qualquer forma, as pessoas têm se sentido cada vez mais inseguras e praticamente não existe alguém que declare não ter problemas de segurança. Isto é, mesmo que a pessoa esteja segura, ela não se sente segura. E isso é o que importa aqui.

O curioso é que ao lado dessa sensação de insegurança há uma outra sensação que marca o tempo em que vivemos: a da falta de sentido existencial. Todos procuram avidamente uma ligação com algo significativo, com um valor duradouro, com algum elemento que lhes permita sentirem-se felizes e plenos. Mas não há nada no ambiente contemporâneo que nos forneça esse tipo de elemento consistente. Hoje, a experiência existencial da falta de sentido é determinante em todas as dimensões da vida. A busca por um conexão profunda com algo que faça sentido é uma necessidade perceptível por toda parte.

A sensação de insegurança física e a experiência da falta de sentido dizem respeito a um mesmo conjunto de elementos. Afinal, o sentimento de falta de segurança impulsiona nosso isolamento, a construção de cercas, a desconfiança com relação aos outros, o medo. Essa atitude nos conduz à solidão em todos os sentidos. Ela nos coloca no centro de nossas propriedades sem mais ninguém com quem poderíamos compartilhar algo, temerosos de um assalto iminente a algo de valioso que supostamente possuímos.

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Dentro dessas cercas altas e eletrificadas não há mesmo nenhuma possibilidade de contato, porque já supomos que nós ou o que nós temos é que é realmente valioso. Assim, qualquer pessoa ou valor que se apresenta diante de nós é entendido como uma ameaça, como algo que deveria ser mantido distante. Ou seja, aquilo que poderia ser a solução para o isolamento, para a ausência de sentido, exatamente isso é entendido como uma ameaça.

Autoisolamento e falta de sentido existencial para uma vida plena: combinação explosiva para gerar insegurança

E se o outro nos ameaça, nada nos resta que não seja aprofundar nosso isolamento porque é por meio dele que nos sentimos mais seguros. Porém, quanto mais nos sentimos seguros, mais nos afastamos de tudo o que não somos. É a busca por segurança que impulsiona a falta de sentido, a sensação de vazio, a carência de sentido. Essa situação gera uma dinâmica de intensificação da sensação de insegurança. Afinal, quanto mais solitários nos tornamos, mais inseguros – simplesmente porque isso multiplica os estranhos, os outros que são os motivos original da desconfiança.         

Creio que já está na hora de promovermos uma política de insegurança pública se queremos realmente obter alguma conexão que forneça um sentido existencial para as pessoas. Só a insegurança pode nos libertar da lógica suicida da segurança crescente. Afinal, o que é mesmo que é tão precioso em você?

Ronie Alexsandro Teles da Silveira é professor de filosofia e trabalha na Universidade Federal do Sul da Bahia. Mais informações: https://roniefilosofia.wixsite.com/ronie

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