por Regina Wielenska
Na minha prática clinica, já razoavelmente longa, deparei-me com homens e mulheres cujos casamentos se mostravam demasiadamente insatisfatórios e que, mesmo assim, permaneciam casados. O que ocorre? As razões são variadíssimas, e na maior parte dos casos as motivações são múltiplas, um conglomerado de fatores acaba mantendo o indivíduo naquele estado de inércia conjugal. Sofrem e fazem sofrer, mas não se separam.
Uma razão possível tem a ver com o temor do julgamento alheio. Por exemplo, há famílias e grupos sociais que condenam quem tem um casamento desfeito. A mulher separada observa que alguns casais, antes amigos, agora a mantém num ostracismo social. A “mulher descasada” torna-se uma ameaça aos demais casamentos, “pode seduzir maridos” e destruir lares. O preconceito é velado, e dói muito.
O homem descasado pode influenciar os casados, fazê-los invejar a suposta liberdade que adquiriram. Perigo, diriam alguns representantes do conservador status quo. Há famílias conservadoras, que censuram separações, e aplicam sanções aos que rompem o relacionamento conjugal, e isso pode inibir a decisão de se separar.
Outro tipo de julgamento negativo pode ser de natureza religiosa, o “que Deus uniu, o homem não separa”. Em qual contexto de amor ao próximo foi criada essa regra? Que se maltratem e sofram para sempre, e tragam sofrimento para os filhos e quem mais estiver ao redor? Acho tudo estranho… O fato é que a pressão de um grupo religioso pode ser coisa perturbadora pra quem avalia os prós e contras de uma separação.
Questões financeiras podem ser um impeditivo poderoso. Separar-se representa perdas e ganhos. A depender do regime legal, significar partilhar os bens, além arranjar ou montar um novo lar pra quem sai da casa, despesas de advogado, pagamento de pensão para filhos ou cônjuge. Mulheres que se dedicaram aos muitos e desgastantes cuidados do lar e se afastaram do mercado de trabalho podem temer sua outra condição. Será possível, para ambos, manter o mesmo estilo de vida, financeiramente falando?
Fatores diversos
Outros fatores se relacionam a vingança, raiva e quetais. “Não vou dar a liberdade pra ele/ela arranjar alguém lá fora”, “Se casou comigo vai me aguentar pra sempre”; estas são algumas das justificativas adotadas por quem funciona desse modo rancoroso ou vingativo. Esses sentimentos são comuns em quem está num relacionamento de oposição, cheio de raiva, mas não aceita o fim do relacionamento e suas implicações, favoráveis ou não. A raiva é perigoso combustível.
Casos extremos são os que envolvem o horror das ameaças à integridade física e emocional da pessoa e/ou dos filhos. Abusos verbais e violência doméstica podem causar danos irreversíveis, seja por morte, trauma físico e emocional. As páginas policiais nos mostram o horror dessa forma de interação entre alguém que, em desespero, pede a separação e, a seguir, tem que lidar com a agressividade da pessoa que não aceita o fato. Essa dolorosa categoria de eventos exige apoio jurídico e policial para quem sofre ameaças, mais apoio de agências sociais em casos de desproteção e perigo. Não se pode minimizar o risco, todo cuidado é pouco. A questão é de vida ou morte, em muitos casos. Não descuidem.
Ha, por outro lado, casais amarrados um ao outro pelo puro medo do novo, dos desafios, da possibilidade de agir com autonomia e independência. Separados, não mais poderiam atribuir ao outro a origem de sua vida miserável. Há pessoas com habilidades restritas para fazerem escolhas ou cuidarem de si próprios sem o apoio do marido ou esposa. A separação pode ser o resgate da autonomia, mas o que dizer de quem nunca tomou decisões por conta própria ou cuidou de si com desenvoltura?
Certamente, eu não esgotei todo o conjunto de razões que levam alguém a se enroscar ainda mais ao longo de um processo de irreversível desajuste conjugal. Não se trata de culpar os envolvidos, cada um só faz o que sabe, e dentro de condições ambientais mais, ou menos, favoráveis.
A crise conjugal pode ser revertida? Vale a pena? É viável? Ambos querem isso?
Quem sabe o apoio de família, amigos e um terapeuta ajudem um casal a se reerguer…
Mas se aparentemente tudo foi tentado e só restou a separação como alternativa? Nesse caso a terapia individual pode ajudar a pessoa a resgatar seus recursos psicológicos, suas ferramentas de sobrevivência no oceano da separação. O apoio da família e amigos, sem julgamentos e preconceitos vale ouro.
Há vida após o descasamento, inclusive potenciais amores e muitas descobertas. Abracem a nova vida, se reinventem, cuidem amorosamente da prole, descubram os amigos de verdade, cultivem o amor próprio e enriqueçam seu arsenal de competências. Pode ser uma delícia.