Por que não guardar mimos para usar em ocasião especial

Na década de 90, com o falecimento de minha avó, tivemos que dar início a uma espécie de arqueologia dos pertences deixados por ela. Tailleurs de tweed, camisas elegantes, bijuterias finas, isto tudo se misturava a coisas que nem entendíamos porque não haviam sido descartadas bem antes.

O que me marcou mais foram seis caixas de papelão acartonado, estocadas no fundo do armário. Com o logotipo Christian Dior, Made in France, cada uma continha, envolta em papel de seda, um par de meias de seda (literalmente), que iam até o meio da coxa, com risca atrás, tipo Hollywood diva. Eram meias finas, custaram uma pequena fortuna em seu tempo de glória. Eram acessórios dos anos 50 ou 60, e as redescobrimos cerca de três décadas depois.

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Minha avó, mulher miúda, vaidosa, de belas pernas, teria ficado ótima nelas. No entanto, deixou de desfrutar daquela elegância toda. Na minha imaginação consigo vê-la dizendo a si mesma que guardaria as meias para serem usadas em ocasiões muito oportunas, o que nunca ocorreu. As caixas acabaram sumidas na bruma do esquecimento, no fundo do móvel, e as meias assim forma desperdiçadas.

A hora ideal não existe  

E se minha avó tivesse ido à feira, ao batizado de um neto, ao almoço na churrascaria vestindo lindas meias para usar com liga? Isso banalizaria a sofisticação de Monsieur Dior? Aposto que a ideia era usar as meias em ocasiões especialíssimas. Mas minha avó nunca foi convidada para o chá das cinco com a Rainha! Que pena, não? Como Cary Grant não conheceu vovó, não houve um jantar romântico com ele. Ah, sim, nessas ocasiões caberiam as meias de seda!

Não sei se vale a pena passar uma vida esperando para abrir aquele espumante, para usar o tal perfume caro, para pedir perdão a alguém, para dizer que se ama, fazer uma serenata, ou aprender a dançar tango, bolero, zouk… O que importa é bem usar o que temos, nos entregarmos às oportunidades, sem deixar para um futuro incerto que é justo ser vivido, saboreado, bem curtido no exato dia de hoje.

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Em tempo, uma amiga minha, criatura miúda, de temperamento saleroso, amou receber as meias de seda. Comprou sensuais pares de ligas, e foi bem chic se divertir por aí, dançar e beijar o quanto quis. Minha avó só não morreu de dor-de-cotovelo e se acabou no arrependimento porque já não estava entre nós.