por Roberto Goldkorn
Estava relendo um livro sobre a história do povo judeu. Confesso que há certas passagens difíceis de encarar. O massacre sistemático a um povo, as humilhações por que passaram as pessoas por professar uma religião, são de tal modo bizarras que chegam a doer no meu peito.
Toda a minha vida atribui essa miséria humana chamada antissemitismo/racismo à ignorância. Sempre achei que o próprio mal que assola a humanidade era devido a mais crassa ignorância. Para mim era lógico que ignorar os verdadeiros princípio da vida – a diversidade, e as leis espirituais que governam a existência era a principal explicação para tanto ódio e intolerância. Mas aos poucos fui pinçando exemplos de gente que vinha do mesmo grupo dos perpetradores de atrocidades, mas que tinham atitudes completamentes diferentes. Muitos até concordavam com as sandices de seus líderes, mas eram incapazes de agir de forma a ferir outros seres humanos por terem nascidos em uma religião diferente ou pela cor da pele.
Mesmo na Alemanha nazista, com toda propaganda maciça visando transformar os judeus nos inimigos mais odiados da nação, muitos alemães, gente simples do povo ou não, agiam contra a corrente oficial, e até ajudaram famílias inteiras a escapar dos horrores, correndo eles mesmos riscos imensos. Ao examinar esses casos tive de ir revendo a minha posição.
Afinal, a ignorância podia ser vivenciada em forma de toda uma cultura hegemônica da qual seria difícil escapar. Por que então alguns se recusavam a sujar as mãos com sangue inocente enquanto outros falando em nome dos mais elevados ideais da pátria ou da religião iam em frente embalados por suas certezas inabaláveis? O que distinguia o criminoso bem intencionado dos que se negavam a fazer mulheres e crianças a chorar, mesmo nadando contra a maré?
Fator misterioso: o amor
Olhando mais profundamente estou chegando à conclusão de que esse fator misterioso é o amor. Só a presença do amor/compaixão pode explicar essa dissidência com a opinião dominante. Só a pulsação do amor pode dizer sussurrando:
“Não faça isso, ele sangra tanto quanto você.”
Jurei que nunca escreveria loas ao amor, que isso sempre me soou piegas, mas tive de me render. Não há outra explicação, para os verdugos de gente inocente, os missionários ensandecidos, esse espaço de desamor foi preenchido justamente pela ideologia persecutória.
Os macabros, pedófilos, genocidas, estupradores são seres vazios de amor, são incompatíveis com esse sentimento, são bonecos, como dizia o índio Juan de Carlos Castanheda são “los que no son gente.”
Semana passada ouvi uma história que me fez pensar com pesar. Uma conhecida disse que não poderia vir ao meu encontro, pois teria de comparecer ao casamento de uma prima. “Lembra da minha prima Lúcia? Aquela que o companheiro tentou violentar a filha dela do casamento anterior. A menina teve até de sair de casa.”
Perguntei sentindo um cansaço imenso: “Mas ela vai casar com o tal sujeito, o pedófilo?”
“Vai né, a gente não escolhe quem ama, ninguém manda no coração.” Desisti. O amor é definitivamente um componente misterioso.