Por que o fato de termos sido colonizados influencia nossa existência?

O fato de termos sido colonizados influencia nossa existência mais do que imaginamos; entenda   

Muitos acreditam que o fato do Brasil ter sido colonizado, assim como toda a América Latina, não possui grande importância em nossas vidas. Ou talvez que isso não possua mais tanto peso, já que se trata de eventos muito antigos, ocorridos a mais de 500 anos. Assim, seria desnecessários tratarmos disso quando tentamos compreender por que vivemos como vivemos.

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Como o fato de termos sido colonizados influencia nossa existência

Não acredito nisso. Creio que esse tipo de ocorrência não somente é importante, como também que ela é definidora de nossa maneira atual de reagir, não somente a questões sociais e políticas, mas a questões existenciais de todos os dias.

Se podemos falar em evolução de uma sociedade, se isso realmente é um fenômeno que acontece, temos que pensar que existem transições que vão ocorrendo. Essas transições dizem respeito a mudanças de um estágio anterior para um posterior evidentemente. Porém, há sempre uma conexão entre eles. Quero dizer que do estágio anterior não se salta para qualquer parte a nossa escolha.

Na verdade, podemos escolher para onde vamos, desde que isso esteja conectado de alguma forma ao que somos agora. Assim, há uma ligação estreita entre os dois estágios: o antes e o depois. Claro que existe uma grande margem de escolha em assuntos humanos, mas não a ponto de podermos saltar sobre o presente e mergulhar em qualquer futuro que desejarmos.

Por que o fato de termos sido colonizados pesa em nosso existir

É por isso que a colonização é um evento significativo ainda hoje: porque ela parece ter gerado uma fricção ou um choque entre duas maneiras de ser e não uma transição entre um antes e um depois. Em outras palavras, o mundo que desembarcou por aqui após 1498 (ou após 1500, no caso do Brasil) não se constitui como um estágio esperado com o que existia. De certa forma, não estávamos socialmente preparados para sermos europeus. Em função da diferença na capacidade de exercer a violência não pudemos simplesmente eliminar esse estágio inadequado de vida. Fomos constrangidos a aceitá-lo pela força.

A vida europeia simplesmente se apresentou para nós como um fato. Mas um fato que não decorria do estágio em que vivíamos então. Ele era um fato para dentro do qual não podíamos caminhar naturalmente levando conosco o que éramos. Somente podíamos entrar nele deixando de ser o que éramos. Mas ninguém pode deixar de ser o que é, simplesmente decidindo fazê-lo. Podemos tomar rumos diferentes, alterando o que somos, mas não abandonando-nos. Então, só nos restou a alternância entre um estágio e o outro.

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Somos seres humanos que não podem viver de acordo com o que éramos, porque isso se tornou indesejável, menor e desprezível. Não temos condições para saltar para dentro de uma nova vida senão traindo o que éramos e nos tornando, assim, desconectados com relação à nossa própria vida. Uma solução foi separar esses estágios: assim preservávamos algo do que éramos e, ao mesmo tempo, nos tornávamos àquilo que a força exigia. Claro que a solução não é das melhores, justamente porque os estágios não se articulam uns com os outros, eles apenas convivem lado a lado. Por isso, a solução parece mais um movimento de idas e vindas entre uma parte e outra do que uma evolução ou uma passagem de uma situação para outra.

Nossa vida parece uma colcha de retalhos coloridos

Os colonizados possuem uma vida que oscila: eles vão de um estágio ao outro e do outro ao inicial. Nossa vida se parece a uma colcha de retalhos coloridos. Somos assim agora, mas depois podemos ser diferentes porque já nos habituamos ao trânsito abrupto, às mudanças súbitas. A nossa psicologia básica é justamente a da alteração de estados, as transições sem uma ordem clara ou um sentido exclusivo. A regra é a diversidade, a mudança de humor e não o caráter sólido.

Quando olhamos no espelho, cada um de nós, sabe que a imagem é falsa porque os nossos espelhos refletem uma pessoa. Ninguém aqui é uma pessoa, somos vários. Estamos em trânsito. O difícil é reconhecer isso e passar a enxergar-se em um espelho partido. O difícil é saber que não há um espelho onde podemos nos ver completamente. Nenhuma história pode ser contada a nosso respeito. Para nós só existem várias histórias.

Ronie Alexsandro Teles da Silveira é professor de filosofia e trabalha na Universidade Federal do Sul da Bahia. Mais informações: https://roniefilosofia.wixsite.com/ronie

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