Os adolescentes não ouvem os pais por conta de vozes interiores. Entenda como essas vozes os auxiliam a cultivar suas habilidades sociais e como começam a se abrir para o mundo que os rodeia em meio ao furacão da adolescência.
Os adolescentes só surgiram há cerca de 70 anos. Até o século 19, a sociedade não concebia a ideia de uma fase transitória. Naquela época, o indivíduo deixava de ser criança entre 10 e 14 anos e passava à vida adulta. De um dia para o outro, começava a imitar o jeito de vestir e falar dos adultos, além de adquirir as mesmas obrigações e gostos. Quem criou o termo “adolescente” foi o psiquiatra Granville Stanley Hall, em 1898. Entretanto, a palavra pegou mesmo após a 2ª Grande Guerra, quando nasceu o rock ‘n’ roll e a revolução cultural que afetou principalmente os mais jovens.
A título de informação, a Organização Mundial da Saúde define adolescente como o indivíduo entre os 10 e 19 anos de idade. No Brasil, o Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece uma faixa etária para menores de idade — dos 12 anos completos aos 18 anos incompletos.
Nos últimos anos, uma equipe da Universidade de Stanford tem analisado o que acontece no cérebro de crianças, adolescentes e adultos jovens. Embora o desenvolvimento tenha sido um dos temas favoritos de psicólogos, neurologistas, pedagogos, hebiatras (pediatra especializado em adolescentes), a verdade é que até recentemente não tínhamos tecnologia suficiente para estudar os detalhes desse furacão que chamamos de adolescência.
Por que os adolescentes não ouvem os pais
Simplificando, o desenho do estudo foi o seguinte: A equipe de pesquisadores selecionou uma amostra de 46 meninos e meninas entre 7 e 16 anos que estavam prestes a realizar vários exames médicos. A ideia era aproveitar esses testes para colocar gravações de voz (tanto de suas mães quanto de mulheres desconhecidas) e ver o que aconteceria com sua atividade cerebral através de ressonância magnética. Os resultados foram curiosos, vejamos: enquanto as crianças com menos de 12 anos mostravam uma resposta neural muito intensa nos centros de recompensa e de processamento de emoções ao ouvir a voz de sua mãe, a partir dos 13 a situação mudava.
Essa era a idade média em que a voz da mãe deixava de produzir esse tipo de reação neural e os dados indicavam que eles se tornavam mais receptivos às vozes anteriormente desconhecidas. Nas palavras do professor de psiquiatria e ciências comportamentais, Dr. Daniel Abrams, que é o autor principal do estudo, “O adolescente não tem plena consciência de que está fazendo isso. Simplesmente, está sendo ele mesmo: tem amigos e novos companheiros e quer passar o tempo com eles. Sua mente é cada vez mais sensível e é atraída por essas vozes desconhecidas”.
A julgar pela agitação que este estudo provocou, parece que a adolescência é uma doença cerebral. Pois ao ver os resultados, muitos começaram a pensar que é o cérebro que faz os adolescentes pararem de ouvir seus pais. Mas isso é um equívoco: as imagens cerebrais simplesmente mostram que isso ocorre. Não é que os adolescentes se tornem máquinas maliciosas de ignorar os pais, mas que (de uma forma ou outra) suas condições e necessidades os impulsionam a sentir mais interesse por novas experiências.
A equipe está animada por ter descoberto os fundamentos da capacidade dos adolescentes de sintonizar com novas pessoas, uma parte importante do envolvimento geral dos humanos com as vozes. O fato de o cérebro estar tão sintonizado com as vozes faz sentido intuitivo – basta perguntar a qualquer pessoa que já tenha sentido um abalo emocional ao ouvir a voz de um amigo ou membro da família depois de muito tempo, disseram os pesquisadores.
“As vozes em nosso ambiente são essa fonte sonora incrivelmente gratificante que nos permite nos sentir conectados, incluídos, parte de uma comunidade e parte de uma família”, disse Abrams. “As vozes são realmente o que nos conecta.”
As interações sociais das crianças passam por uma grande transformação durante a adolescência. “Nossas descobertas demonstram que esse processo está enraizado em mudanças neurobiológicas”, disse o autor sênior do estudo,
Vinod Menon, e acrescenta que: “Quando os adolescentes parecem estar se rebelando por não ouvirem seus pais, é porque eles estão preparados para prestar mais atenção às vozes fora de casa.”
Por fim, para refletirmos, isso me faz lembrar do “cerebrocentrismo” que predomina em nossa maneira de comunicar que pode acabar se tornando um sério problema, pois disfarça como “processos naturais” o que na verdade são adaptações neuropsicológicas às sociedades que estamos criando e vivendo. Reduzir ao cérebro o que encontramos (sejam fenômenos novos ou antigos) só serve para obscurecer as chaves que alimentam (e podem nos ajudar a resolver) os problemas.
Mas em certo sentido, enquanto aguardamos por novos estudos, como indicam os pesquisadores, o que estamos vendo a nível neuronal é como os adolescentes começam a cultivar suas habilidades sociais e como começam a se abrir para o mundo que os rodeia de uma maneira nova. É a lei da vida; algo positivo e necessário, de fato. Embora eu imagine que isso não vai consolar todos os pais de adolescentes que estão arrancando os cabelos agora mesmo.