Por Roberto Goldkorn
Ano novo e lá vamos nós pensar nas coisas que poderíamos fazer (e certamente não iremos) nesses 365 dias ‘novos em folha’. Passando o filme de trás para frente, me vejo como modelo de contenção, de autocontrole e profissionalismo, e faço as contas de quanto estresse isso custa. Acompanhei o caso de um médico, meu cliente que se achava tão forte, tão forte, que podia se dar ao luxo de receber os golpes da vida (dos amigos, parentes e congêneres) e assimilar. Ele talvez se inspirasse nos lutadores de boxe, que recebem os golpes e ‘assimilam’ não acusando as dores que eles acarretam para não dar pistas ao adversário do ‘caminho das pedras’. Mas ele não era esse super-homem que pensava ser e teve um infarto do miocárdio.
Aquele sujeito contido, com perfeito domínio de suas emoções, na verdade era uma bomba-relógio ambulante, não explodiu para fora, implodiu ‘para dentro’. Isso me fez repensar muito a minha própria vida. Quando estava no hospital acompanhando meu pai na sua lenta agonia em direção ao fim, meu celular ligou. Uma pessoa me dizia em desespero: “Me ajude estou no fundo do poço, meu marido foi embora…”
No meio de uma crise familiar (sim ‘guru’ também tem isso), os e mails não param de chegar: “Por favor, me diga como vai ser esse ano para mim, no amor, no trabalho, como vai ser minha vida social, e se der veja também do meu pai, da minha mãe, do meu namorado e do cara que estou ficando…”. Um outro dizia: “Gostaria de saber quanto vai durar essa maré de dificuldades que estou vivendo, não sei mais o que fazer…”. “Estou desesperada, se você não me ajudar acho que vou fazer uma besteira…”. E os dramas e tragédias se sucedem, acrescentando em cascata bombas prestes a explodir (será?) as minhas próprias.
Como um legítimo samurai eu respiro fundo e me preparo para ‘salvar’ o mundo, saco a minha espada tentando fazer dela um instrumento multiuso, como os canivetes suíços, e nessa ticada vou empurrando os meus próprios fantasmas para o fim da fila. Mas nesse finzinho de ano percebi que preciso urgentemente levantar a válvula dessa panela de pressão, percebi que não preciso assimilar todas essas mini e máxi tsunamis com aquela antiga fleugma inglesa. Percebi que tenho o direito (e por que não o dever?) de surtar!
Aliás, não eu apenas, mas todos nós. Pensando melhor… vou mandar para o congresso um projeto propondo a criação do ‘surtódromo’, onde todos os que precisam, podem surtar sem causar mais estragos nos seus pares. Preciso surtar, mais que isso, preciso surtar sem me preocupar no que os outros vão pensar, e sem achar que as minhas ações vão despencar na bolsa das opiniões alheias.
É claro que não vou surtar no meio de uma consulta, nem mesmo dentro de casa, não que eu tema pela segurança da porcelana chinesa da dinastia Ming, que não possuo, ou vá pegar um facão filipino e retalhar o meu colchão americano e os lençóis Trussard (que igualmente não possuo). Vou antes contratar algum cenotécnico da TV para montar um cenário, tudo falso, tudo ‘feito para surtos’ que tenham naturalmente grande efeito dramático ao serem arremessados contra a parede, aqueles travesseiros de pluma de ganso que fazem ‘nevar’ quando são esfaqueados cruelmente pelo surtando. Vou pedir para colocarem no cenário um martelo, e vou martelar tudo que encontrar a minha volta e depois de urrar, de falar todos os palavrões possíveis em várias línguas, vou me arremessar num monte de almofadas e chorar muito, como um bebê chorão e depois vou dar as mais escrachadas gargalhadas que qualquer ator ou atriz já conseguiu, num gran finale apoteótico vou VOMITAR os trezentos e sessenta e cinco dias, os trezentos e sessenta e cinco dramas e tragédias, meus e alheios, vou vomitar até ‘as tripas’ e me limpar dos sapos e ouriços que engoli (por vontade própria) ao longo do ano.
Cansado, mas leve como aquelas plumas de ganso, vou tomar uma ducha, enquanto o pessoal da contra-regra (interessante esse nome não?) faz o trabalho de rescaldo. Esse é o meu projeto para 2006. Aliás, para os espíritos mais empreendedores, essa não é uma idéia de negócios? Já até imagino o slogan da empresa: SURTO COM SEGURANÇA – VENHA SURTAR E EXORCIZAR OS SEUS DEMÔNIOS NOS NOSSOS AMBIENTES SEGUROS E COM ACOMPANHAMENTO PSICOLÓGICO.
Se você resolveu encampar essa idéia (que estou dando de graça) pode colocar o meu nome no topo da lista de espera. Nesse ano vou surtar, mas sem quebrar um só copo (preciso aclamar a minha mulher) nem ferir a mim mesmo. Caso não consiga um ambiente seguro para a minha surtada, vou fazê-lo mentalmente. Afinal, pior do que mostrar as próprias fraquezas e inseguranças é encenar diariamente superpoderes que não existem a não ser na nossa imaginação, e jogar para dentro do nosso corpo e da nossa mente toda essa grande variedade de venenos. Em 2006 vamos todos assumir as nossas limitações, e aprender a vomitar sistematicamente os lixos emocionais dos outros. E por falar nisso, qual é o seu problema?