Por Ceres Alves Araujo
Sarah B. Hrdy é uma antropóloga americana, professora na Universidade Davis da Califórnia, estudiosa das origens da relação entre mães e filhos e que tem publicado pesquisas muito interessantes a respeito dessa relação tão fundamental para o desenvolvimento da mente do ser humano.
Nos tempos atuais, maternagem significa cuidar, proteger os filhos. Mas, maternagem para as mães ancestrais englobava tudo o que contribuía para deixar descendentes: escolher um companheiro, procurar comida, construir abrigo, lutar para um bom status no grupo e criar uma rede social que lhe desse suporte. A divisão adequada do tempo, entre essas tarefas e o cuidar das crianças, era também parte da maternagem e era uma questão de vida ou de morte tanto para as mães quanto para os filhos.
Hoje, maternagem se tornou sinônimo de amor incondicional pelos filhos, mas esse é um conceito relativamente moderno. A visão da sociedade contemporânea, a respeito da mãe ideal, é a da mulher que abnegadamente cuida de seu filho o tempo todo. Entretanto, muitas mulheres que buscaram dedicar suas vidas para cuidar de seus filhos viveram frustrações e conflitos ao longo do tempo.
A luta para equilibrar as necessidades da subsistência e ao mesmo tempo cuidar dos filhos é muitas vezes dificílima, principalmente nas cidades maiores. Os lugares de trabalho são incompatíveis com a presença de bebês, nem sempre existem berçários, creches e escolas acessíveis. Avós, tias, a maioria delas está no mercado de trabalho. Babás são caras e nem sempre disponíveis. Além disso, existe todo um pré-conceito a respeito de terceirizar os cuidados com o bebê.
Competitividade no trabalho, luta por status e ambição, hoje são vistos como domínios tanto dos homens como das mulheres. Isso era diferente há algumas décadas, pois ser uma “boa mãe” era incompatível com tais comportamentos, valorizados na época apenas para os homens. Essa incompatibilidade é uma falácia do ponto de vista da história da humanidade. A busca por destaque, evidência no grupo, pode ser considerada como inseparável da capacidade da mulher para manter sua descendência viva e bem cuidada. É uma característica muito antiga da natureza da mulher e é encontrada na natureza da fêmea de muitos primatas.
Para compatibilizar sucesso profissional e cuidados com os filhos, atualmente as mulheres têm menor número de filhos e podem ter filhos mais tarde, utilizando-se dos recursos tecnológicos da fertilização assistida.
No contexto da maternagem é importante a rede social que a mulher constrói e isso tem também base nas sociedades primitivas humanas e em muitos grupos de primatas. Biólogos usam o termo allomother (termo originado do Grego allo que significa outro além de) para descrever qualquer outro indivíduo, que não a mãe, que ajuda a cuidar de crianças pequenas.
Os pais são importantes nos cuidados com os filhos. Podem ser os mais importantes allomothers de todos, mas de cultura para cultura, de sociedade para sociedade, e de pessoa para pessoa, o papel do pai varia muito. Em geral, o contato do pai com o bebê é menor que o da mãe, não só em função do aleitamento, mas sendo ambos os genitores sensíveis aos choros de pedido de socorro do bebê, a mãe é mais sensível aos sinais menos intensos e condiciona o bebê ser acalmado por ela. Entretanto, os estudos revelam que existe um potencial enorme para desenvolver boa maternagem nos seres humanos masculinos. A fisiologia do pai se altera simplesmente por passar tempo junto à mãe grávida e ao recém-nascido.
Suporte das avós
De uma perspectiva evolucionária, por terem já criado filhos, o suporte dado pelas avós melhora não só a saúde, mas também a maturação social e o desenvolvimento mental das crianças. Em algumas fases do desenvolvimento da humanidade foram, as avós, essenciais até mesmo para garantir a sobrevivência dos pequenos. E, sem dúvida, o suporte das avós deveria trazer segurança para as novas mães.
É interessante pensar que profissão e maternagem podem coexistir; traz alívio saber que terceirização de filhos foi sancionado pelas mães ancestrais e é importante considerar o valor das redes de suporte para o exercício da tarefa de cuidar de crianças.
Os princípios da maternagem são os mesmos, desde os ancestrais do ser humano até os dias de hoje. Mas, os métodos de cuidar dos filhos são diferentes e cada vez mais complexos em função da organização das novas sociedades e do avanço da tecnologia. Cito dois exemplos: mães e pais se tranquilizam quando podem observar e se dirigir a seus filhos a qualquer momento, graças à telefonia móvel e outros meios de comunicação em tempo real. Outro exemplo: mães, através dos grupos de WhatsApp das mães da escola, para o bem e para o mal, se encarregam de tomar conta, vigiar tudo o que os próprios filhos fazem e o que fazem os filhos das outras mães. São allomothers com certeza, adequadas em algumas situações e inadequadas em outras.