Uma amiga, terapeuta como eu, mas moradora de uma cidade bem pequena, me contou que a prefeitura de seu município está afrouxando o isolamento social. Ela quis minha opinião: deveria ou não voltar a atender clientes presencialmente, como a maioria das terapeutas da cidade iria fazer?
Alguns dados vieram à tona durante a conversa: na cidade os recursos médicos são escassos, não há leitos de UTI, e a prefeitura estaria montando alguns, a duras penas, suponho. Na cidade não ocorreu ainda qualquer caso da infecção, a cidade mais próxima, com casos notificados, fica a cerca de 50 km. As pessoas estavam bem mais preocupadas com a redução da renda do que com a pandemia.
Ausência de casos e banalização da gravidade
No meu entendimento, consequências imediatas como a perda financeira e o desconforto de viver em uma cidade com serviços limitados são fortes variáveis influenciadoras das decisões tomadas no município. E a ausência de casos faz com que a COVID-19 pareça coisa de cidades maiores, algo que não iria lhes atingir. Para que medidas profiláticas se há ínfimo ou nulo risco de contágio? Melhor tocar a vida e ganhar dinheiro, dizem por lá… Máscara? Pra quê? São desconfortáveis, não há casos, não precisa…
A estratégia deles, “vamos tocar a vida porque não há casos aqui”, abre as portas para um eventual contágio. Pessoas de fora, incautas, com vírus e assintomáticas, podem querer ir à cidade, já que seu comércio está funcionando. De quebra, os visitantes levariam o vírus.
Número crescente de pessoas nas ruas → número crescente de infecções → número crescente de mortes
O aumento do contato interpessoal se correlaciona com maior infecção, os números são contundentes. Hospitais começam a lotar seus leitos nas cidades maiores. “Para que cutucar a onça com vara curta?”, eu perguntaria ao prefeito da cidade onde mora minha amiga. Caixão não tem gaveta, o dinheiro ganho a mais em duas ou três semanas de contato social seria eventualmente destinado a um sepultamento.
Minha amiga decidiu que irá na contramão do pessoal de sua cidade, não vai mesmo atender presencialmente, ela dirá aos clientes que estará disponível online e por telefone, e que seguirá as recomendações da Organização Mundial da Saúde e do Ministério da Saúde, como se espera de qualquer cidadão responsável e previdente.