por Gilberto Coutinho
O Yoga (1) é uma das seis escolas clássicas de pensamento ou filosóficas – Dárshanas – mais importantes da antiga Índia. Ao longo do tempo, diversos eruditos, sábios, yogues e estudiosos, têm considerado o Yoga como uma ciência irmã do Samkhya Dárshana (2) e Ayurveda – Medicina Tradicional Indiana. Acredita-se que o Yoga tenha mais de 5 mil anos de existência e que já era praticado não apenas nas antigas civilizações do Indo-Sarasvati: Harappa e Mohenjo-Daro, mas por toda a Índia.
O Yoga, o Samkhya e o Ayurveda têm em comum diversos conceitos, teorias, reflexões filosóficas e técnicas; são ciências importantes que se complementam. Muitos dos ensinamentos e técnicas do Yoga foram incorporados ao Ayurveda, da mesma forma que muitos de seus conhecimentos devem ser considerados por aqueles que, dedicadamente, estudam e praticam o Yoga. É bem provável que a maioria dos autores e compiladores dos antigos compêndios e tratados do Ayurveda era também partidária da tradição filosófica do Yoga e Samkhya.
Acredita-se que, num passado longínquo, os grandes sábios yogues, além de tornarem-se guardiões e preceptores de todos os ensinamentos do Yoga, foram também indispensáveis para que o conhecimento do Ayurveda pudesse ser assimilado – através de suas refinadas e iluminadas mentes – das dimensões superiores do universo e dos fenômenos da vida, mediante profundas observações, meditações e revelações, e, posteriormente, transmitido oralmente.
Objetivo do yoga: transcender limitações
O objetivo maior do estudo e da prática do Yoga é a transcendência das "limitações" que afligem o corpo e a consciência – as fragilidades, o sofrimento, as doenças, as ilusões, a ignorância, o apego, a instabilidade, a transitoriedade da vida etc. -, a conscientização da própria natureza espiritual e a condução do homem a um estado de vitalidade (saúde), harmonia, concentração, lucidez, sabedoria e iluminação da consciência (samadhi).
A prática do Yoga consiste não apenas na realização de posições psicofísicas (ásanas), de exercícios respiratórios (pránáyámas), de concentração (dhárana), de contrações de plexos nervosos, órgãos e glândulas (bhandhas), de gestos simbólicos com as mãos (hastha-mudrás), de repetição de mantras, de meditação (dhyana) etc, mas também no estudo, na compreensão e na vivência diária de seus princípios ético-filosóficos (Yama e Niyama) (3), sem a qual o praticante não pode ser considerado um autêntico yogue.
Shiva: grande sábio indiano 'pai' do Yoga
Segundo antigas tradições, Shiva foi um grande sábio indiano, considerado o 'pai', o grande mestre do Yoga. No hinduísmo, Shiva passa ocupar a posição da terceira divindade da trindade hindu – trimurti -, que mais do que qualquer outra, em seu panteão, serviu de modelo e inspiração aos yogues no decorrer das eras. Considera-se que Parvati, sua esposa, tenha sido a primeira discípula a receber os seus ensinamentos do Yoga. Proclamado como um dos três maiores tratados clássicos existentes sobre Hatha Yoga, o "Shiva Samhita" (4) é entendido como sendo os ensinamentos que Shiva transmitiu, oralmente, a Parvati – sua esposa.
As primeiras representações de Shiva parecem ter surgido no período Neolítico ou na Era Védica, cerca de 4000 anos a.C., na forma de Pashupati, o "Senhor dos animais e das feras" – o que demonstra toda sua força, poder e benevolência para com todas as criaturas -, com três faces, olhando o passado, o presente e o futuro – símbolo de onisciência -, sentado imponente com as pernas cruzadas na posição yogue de meditação – o que revela que a sua consciência encontra-se em permanente e profundo estado de concentração e iluminação – e cercado de quatro grandes animais ferozes: o tigre, o elefante, o rinoceronte e o búfalo – em analogia às emoções e aos instintos humanos mais básicos que precisam ser dominados, como, por exemplo: o orgulho, a força bruta, o ódio e a sexualidade desenfreada, etc.
Shiva: grande mestre do Yoga
Pashupati é o grande sábio que dominou a mente, as "feras" interiores e, por isso, é capaz de apaziguar as demais. Selos quadrados de pedra-sabão e terracota foram também encontrados em sítios arqueológicos das antigas civilizações do Vale do Indo, no Paquistão – situado ao noroeste da Índia, cujo território pertenceu à Índia Britânica -, registram divindades com chifres sobre a cabeça, sentadas à maneira dos yogues e rodeadas por animais.
Patañjali e a sistematização do Yoga
O célebre mestre yogue Shrii Maharishi Patañjali (5) encontra-se numa posição muito privilegiada na linhagem de santos, sábios e eruditos da antiga Índia. Sistematizou de forma sábia e perfeita, na forma de aforismos (sutras) (6), todo o ensinamento filosófico do Yoga, em seu magnífico tratado "Yoga-Sutra", texto fundamental do Yoga Clássico. Sua tendência filosófica e comportamental era Samkhya-Brahmachárya, ou seja, seguia uma postura filosófica analítica, detalhista, enumerativa, objetiva, técnica e devocional. Acredita-se que a ele seja também atribuída a autoria de outros importantes trabalhos, como de medicina, matemática, gramática, anatomia e fisiologia.
Na antiga Índia, os grandes mestres (gurus) somente ensinavam o significado e os fundamentos profundos do Yoga Sutras, após seu aluno tê-lo memorizado completamente (194 aforismos) e ser capaz de entoá-lo em sânscrito de modo correto. A repetição, a reflexão e o estudo desses sutras (aforismos) conduzem ao aperfeiçoamento do aprendizado filosófico, científico e espiritual do Yoga, o que representa o legado de uma longa linhagem de mestres.
No segundo aforismo do primeiro capítulo do Yoga-Sutra, Shrii Patañjali conceitua o Yoga da seguinte forma: "Yogah chitta vrtti nirodhah", ou seja, "Yoga é a supressão da instabilidade da mente" ou "a restrição das modificações da mente". Esse notável sábio também ordenou e dividiu o Yoga em oito partes (angas) ou degraus, denominando-o de Ashtanga Yoga.
Oito partes do Yoga
(1) Yama (cinco disciplinas que conferem autocontrole) '
(2) Niyama (cinco deveres ou obrigações positivas) '
(3) Ásana (posição psicofísica) '
(4) Pránáyáma (controle da energia da vida) '
(5) Prátyahára (abstração dos sentidos) '
(6) Dhárana (concentração) '
(7) Dhyána (meditação) '
(8) Samádhi (iluminação da consciência).
Alguns dos ramos mais importantes e tradicionais do Yoga: Hatha Yoga, Ashtanga ou Raja Yoga, Jñana Yoga, Bhakti Yoga, Karma Yoga, Kriya Yoga, Mantra Yoga, Chikitsa Yoga, Tantra Yoga, Yantra Yoga e Dhyana Yoga.
Tratados mais importantes do Yoga
(1) The Shiva Samhitá;
(2) The Yoga Dárshana of Patañjali (Yoga Sutras of Patañjali);
(3) The Hatha Yoga Pradipika;
(4) Goraksha Samhitá;
(5) The Gheranda Samhitá;
(6) Hataratnavali;
(7) Upanishads. Considerados patrimônio literário da humanidade, tais textos representam a real sabedoria da Índia. Para aqueles que almejam se tornar expertos no assunto, sabedoria e "tesouros", eis o caminho.
1. Etimologicamente, a palavra Yoga deriva-se da raiz verbal sânscrita "Yúj". Segundo o notável dicionário "Sanskrit-English Dictionary", do Professor Sir Monier Monier-Williams, "Yoga" significa: the act of yoking (a arte de unir); joining (juntar, unir, união); attaching (fixar); harnessing (arrear, pôr arreios em); a yoke (uma canga); team (equipe, time); vehicle (veículo); employment (emprego, trabalho); use (uso, utilidade); application (aplicação, requerimento); performance (atuação); fixing of an arrow on the bow-string (fixação da flecha na corda do arco); a remedy (um remédio); cure (cura); device (plano, aparelho, mecanismo); way (caminho, percurso, direção, sentido); manner (modo, maneira, conduta, comportamento, espécie, gênero); method (método); charm (charme, encanto, feitiço, amuleto); incantation (encantamento); magical arte (arte mágica); stratagem (estratagema); business (negócios, comércio, empresa); work (trabalho); acquisition (aquisição); gain (lucro, ganho, ganhar); profit (lucro, vantagem); wealth (riqueza, abundância); property (propriedades, posses, bens); occasion (ocasião); opportunity (oportunidade); any junction (ligação, conexão); union (união, associação, aliança, casamento, junção); combination (combinação, acordo, reunião, associação); contact with (contato, conexão, entrar ou pôr em contato com); mixing of various materials (mistura, combinação de vários materiais); partaking of (participar de, compartilhar, tomar parte em); fitting together (ajustamento, adaptação, ajuste); fitness (aptidão, conveniência); propriety (adequação); endeavour (diligência, esforço, empenho); zeal (zelo, fervor, entusiasmo); diligence (diligência, aplicação); industry (diligência, assiduidade, atividade); care (cuidado, cautela, atenção, precaução, proteção, vigilância, esmero); attention (atenção, aplicação, cuidado); application or concentration of the thoughts (concentração); abstract contemplation (contemplação abstrata); meditation (meditação); self-concentration (autoconcentração); abstract meditation and mental abstraction practiced as a system, as taught by Patañjali and called the Yoga philosophy (meditação abstrata e abstração mental, praticada como um sistema, como aquele ensinado por Patañjali e conhecido como filosofia do Yoga); in Samkhya, the union of soul with matter (no Samkhya, a união da consciência com a matéria); devotion (devoção), conjunction (conjunção), lucky conjuncture (boa conjuntura); construction (construção, interpretação, estrutura) etc.
2. Samkhya ("número", "enumeração") – uma das seis escolas clássicas de pensamento da antiga Índia, que trata da classificação detalhada (enumeração e descrição) dos vários princípios (tattvas, "realidades") ou categorias da existência. É uma filosofia especulativa, de cunho teórico e naturalista. Estuda o homem e a natureza racionalmente em todos os seus níveis, sem deixar de compreendê-los metafisicamente. Esse estudo poderia ser comparado a "Ontologia" (Ciência do ser). Tradicionalmente, acredita-se que essa escola tenha sido criada pelo sábio Shri Kapila, a quem se atribui a autoria do Sâmkhya-Sûtra. Existiu um mestre chamado Kapila que, provavelmente, tenha vivido na época védica (4500 – 2500 a.C.). Alguns estudiosos afirmam que o Sâmkhya-Sûtra (Os Aforismos do Samkhya) só foi composto nos séculos XIV ou XV d.C. Essa escola contrapôs-se ao Vedanta e pregou que a realidade não é única, mas múltipla.
3. Os Yama e Niyama constituem o chamado "Código de Ética Yogue" e as bases para o sólido desenvolvimento do praticante. Correspondem ao primeiro e ao segundo anga ou degrau do Yoga óctuplo de Patañjali. Yama (autocontrole) – são cinco disciplinas que conferem o autocontrole: ahimsa (não violência), satya (veracidade), aparigraha (não possessividade), asteya (não roubar) e brahmachárya (dedicação aos estudos religiosos e filosóficos e ao controle saudável da sexualidade). Niyama (dever ou disciplina) – são cinco deveres, obrigações positivas e/ou disciplinas do yogue: saucha (pureza e/ou purificação), santosha (contentamento), tapas (autoesforço, autossuperação e/ou disciplina), swadhyaya (autoestudo, estudo de si mesmo e/ou autoconhecimento), ishwara pranidhana (autoentrega e/ou devoção).
4. De autoria desconhecida, escrito em sânscrito, provavelmente, no século XVIII.
5. Provavelmente tenha vivido no século II d.C., embora a tradição hindu o relacione ao gramático que viveu no século II a.C.
6. Aforismos ou Sutras são frases de caráter sentencioso que encerram, de modo sábio e conciso, um pensamento, um conhecimento e/ou uma advertência. Sutra, em sânscrito, significa "fio", "cordão", um aforismo ou uma obra aforística.