por Ceres Araujo
A origem da existência é um mistério, apesar de toda a evolução da ciência. Questões humanas profundas permanecem sem repostas:
Quem somos nós? Por que estamos aqui? Qual o propósito de nossas vidas?
Qual o propósito da morte? Como entender nosso lugar aqui na Terra, no tempo e no espaço?
As diferentes religiões abordam essas questões, mas não as explicam, postulam as crenças próprias, que têm seu fundamento na fé. Todas as culturas têm religiosos, anciãos sábios, pajés, profetas, curandeiros, bruxas, heróis, mitos e histórias de renascimento no decorrer dos tempos.
As crianças ao redor dos 5, 6 anos começam a demonstrar interesse pelos mistérios da existência. Isso coincide com a percepção da irreversibilidade da morte, frequente nessa época. Surge, então, consequentemente a pergunta:
Para onde vai a pessoa que morreu? O que acontece depois da morte? Em função de suas crenças, os pais buscam dar explicações para seus filhos e isso é correto, pois só se pode contar aquilo que se acredita.
O imaginário das crianças é repleto de seres fantásticos, como dragões, duendes, monstros, vampiros, lobisomens, demônios, deuses, espíritos, anjos, fadas etc, divididos em seres do mal e do bem. De fato, pertencem ao imaginário de toda a humanidade e é tema de mitos, de contos, de histórias, de filmes ao longo dos tempos.
O ser humano sempre foi perturbado por medos. Sabe-se que muito precocemente, talvez desde o nascimento, o cérebro humano é capaz de detectar agência e intenção no ambiente e, é possível que por isso, as ideias sobre os seres fantásticos sejam naturalmente instintivas e se tornam impressionantes e assustadoras. Selecionar mais o negativo que o positivo das situações, antecipar perigos está ligado à capacidade para sobrevivência desde tempos imemoriais. O medo surge do instinto de autopreservação.
Na criança mais jovem não existe uma delimitação entre fantasia e realidade, entre mundo imaginário de mundo concreto. As fronteiras que determinam essa delimitação surgirão gradualmente durante o desenvolvimento. Assim, para a criança, os seres fantásticos são entidades com, praticamente, existência física, que dão medo, podendo surgir pela janela, detrás da cortina, debaixo da cama, no banheiro, de dentro do espelho, do escuro… São figuras dos pesadelos que as apavoram, fazendo-as buscar a proteção dos pais, que nem sempre conseguem apaziguá-las.
Do ponto de vista psicológico, pode se dizer que enfrentar tais medos favorecem, na criança, o nascimento do “herói” , isto é, a possibilidade de enfrentar os medos e se tornar mais forte, mas isso é um projeto para toda a infância e adolescência inclusive.
Na infância, sentir medo implica em buscar proteção. A criança tem poucos recursos para garantir a própria segurança e quando pequena precisa de outra pessoa que lhe garanta proteção.
O que pode ser observado é que na criança aos redor dos 5, 6 anos , os medos são mais de figuras fantásticas, semelhantes aos monstros e as figuras de proteção são as figuras concretas familiares. Isso tende a inverter até os 10, 11 anos, quando é possível se observar que os medos que se tornam mais frequentes são de figuras concretas, como o ladrão ou de catástrofes reais, como os acidentes e que as figuras de proteção evoluem para figuras mais abstratas, como anjos, divindades e Deus.
Pode-se inferir que essa possa ser uma origem do fenômeno do reflexo de Deus na psique (mente) humana. A imagem de Deus é um símbolo na psique. A alma ou a psique humana pode ter em si mesma a capacidade de representar a divindade.
Pais que acreditam na existência de Deus devem reforçar, de forma natural, sem imposições, suas crenças para seus filhos. Ensinar a rezar, a pedir proteção, a agradecer pelas coisas boas que acontecem constituem fatores de proteção que as crianças consciente ou inconscientemente sentem necessidade. Porém, pais que não creem e por isso não conseguem transmitir atos de fé para seus filhos, devem deixar a imaginação da criança livre para que ela não perca suas crenças adquiridas nos desenhos, nos filmes, nos livros, na escola etc, onde aparece a figura de um Ser superior. Essas crenças são fatores de proteção para todo o mal que a criança assiste na sociedade em que vive.
Pais filiados a uma religião institucionalizada ensinam as práticas da sua religião a seus filhos por sua conduta, da mesma maneira que pais agnósticos e pais ateus também transmitem suas atitudes a seus filhos. Mas, independente da influência dos pais, as crianças a partir da adolescência ou da vida adulta escolhem seu próprio caminho na direção da transcendência.