por Cristina Balieiro
Hoje vou falar de um conto de fadas: A Bela Adormecida. Contos de fada são formas resumidas de mito.
Vou falar e comparar a Bela Adormecida dos estúdios Disney com a Bela Adormecida dos irmãos Grimm.
Primeiro a de Disney. Esse, sem dúvida alguma, gênio mas também um homem conservador, nascido no começo do século passado.
Em seus desenhos animados sobre princesas, os estúdios Disney sempre focaram toda a solução das tramas no encontro do príncipe encantado, inclusive até bem pouco tempo atrás. Era o amor romântico e os príncipes que sempre salvavam as princesas dos apuros.
Em A Bela Adormecida, desenho de 1959, a princesa Aurora sofre uma terrível maldição da Rainha Malévola: com 15 anos irá cair em sono profundo e nunca mais acordar.
Mas é salva do sono eterno por suas três fadas madrinhas: Flora, Fauna e Primavera. Elas descobrem uma forma de quebrar o feitiço: um beijo do verdadeiro amor.
O reino todo também entrou em sono profundo e um enorme espinheiro cresceu em torno dele impedindo seu acesso. E é o príncipe Felipe, apaixonado por Aurora, que também o ama, que vai lutar nos espinheiros com Malévola. Felipe luta com a terrível rainha, que inclusive em um momento da luta vira um dragão, a mata, encontra Aurora, a beija e a salva, assim como todo o reino que acorda e eles se casam e são felizes para sempre!
Versão dos Grimm
Vamos agora à versão dos Grimm, que eles recolheram da tradição oral popular.
Nela um casal de reis, depois de muitos anos sem conseguir ter filhos, finalmente tem um bebê princesa e fazem uma festa para apresentá-la ao reino. Existem 13 magas no reino, mas como eles têm somente 12 talheres de ouro, só convidam 12 delas para a festa.
Cada uma delas ao chegar à festa oferece como bênção à pequena princesa diferentes virtudes: bondade, beleza, gentileza, etc.
Mas, antes da décima segunda maga desejar algo, chega a maga que não foi convidada e roga uma maldição: quando a princesa chegar aos quinze anos vai picar o dedo em uma roca e cair morta. Como a décima segunda ainda não desejou nada, mas também não pode desfazer todo o feitiço, diz que ela não vai morrer, mas dormir por 100 anos. E assim acontece! E o reino todo também adormece com a princesa e cresce o espinheiro em torno do reino.
Durante os 100 anos, por causa da lenda que uma linda princesa dormia naquele reino, muitos e muitos príncipes tentaram entrar no espinheiro para salvar a princesa, mas não conseguiram atravessá-lo e morreram.
Até que chega o dia em que completa os 100 anos que a princesa dormia. Nesse dia, chega um príncipe que também quer encontrar a princesa. Ele vai para o espinheiro e quando chega lá, o espinheiro se abre e se transforma em um caminho florido, porque chegou o centésimo ano. Então o príncipe entra, encontra a princesa, a beija e ela e todo o reino acordam e eles se casam.
Mensagens simbólicas das duas versões
Na primeira – estúdios Disney – a vida para nós mulheres, só existe se estivermos amando e sendo amadas por um príncipe encantado: ele é nossa única salvação!
E, quando o encontrarmos, seremos felizes para sempre, nunca mais passaremos perrengue algum na vida, pois seu amor nos garantirá a felicidade eterna.
O que resolve nossos problemas é encontrar o homem certo, nosso príncipe, que viverá para nos amar e que lutará por todas nossas lutas. O herói dessa versão é o príncipe.
Na versão popular recolhida pelos irmãos Grimm, o problema não foi criado por uma bruxa Malévola, mas por uma maga que não foi convidada.
A trama é criada simbolicamente por algo que não aceitamos, por uma parte não integrada de nós (a maga não convidada) e que precisamos de um tempo interno para poder nos transformar e amadurecer e assim estarmos prontos para o encontro com o outro.
O problema da princesa é resolvido pelo tempo, não por um príncipe. E pelo tempo interno da princesa: o foco da história não é ele, é ela!
Na versão Disney a princesa só existe por causa do príncipe, sua relação com ele é simbiótica, como entre um bebê e sua mãe.
Na dos Grimm ela passa um tempo recolhida para se transformar e depois, mais integrada poder se relacionar, como uma princesa com um príncipe, como iguais. Ela existe independente dele.
Não estou negando o quanto é bom amar e ser amada, ter um companheiro ou companheira na vida. Mas viver em estado de suspensão, “dormindo” enquanto não chega uma “alma gêmea” idealizada, um príncipe que irá nos fazer felizes para sempre, é infantil, ilusório e um desperdício de vida.
Também não estou negando de forma alguma a arte, o encantamento e a magia dos desenhos da Disney. São maravilhosos!
Mas também não podemos deixar de perceber as mensagens simbólicas que eles trazem. Essa questão de que todos os problemas da vida de uma mulher se resolvem ao encontrar um “príncipe”, que a acorda para a vida. Isso fez e faz um grande desserviço a todas nós.
Tanto que nos desenhos mais atuais esse papel passivo das princesas foi mudado – um belo exemplo é o espetacular desenho Enrolados e sua adorável heroína, Rapunzel (mas isso fica para outro artigo).
Mas, voltando à nossa Bela Adormecida, com qual das duas você se identifica?
A que dorme o tempo todo até que um príncipe encantado a salve e cuide dela para sempre? – como se ela fosse incapaz de cuidar de si.
Ou uma que existe mesmo sem “príncipe”: aceita que existem tempos de recolhimento, de solidão para se amadurecer e não precisa que ninguém “salve” sua vida?
Qual Bela você quer ser?