por Antônio Carlos Amador
“Na maioria dos casos é a incompatibilidade entre os cônjuges que leva à separação. Incompreensão e discussão estão na ordem do dia”
O casamento é uma instituição social na qual duas pessoas se comprometem com um relacionamento socialmente aceito no qual o intercurso sexual é legitimado e há responsabilidade legal reconhecida por quaisquer descendentes, bem como um pelo outro.
Ainda hoje, o casamento legal ocorre em poucos minutos, na presença de algumas testemunhas, ligando profundamente a vida das pessoas para o que der e vier. Isso acontece porque o casamento não nasce apenas do amor romântico e da estima reciproca, testada durante meses, mas também porque constitui um ato público que simboliza profundamente um acontecimento pessoal. Cada um dos cônjuges se afasta ainda mais da sua família de origem, para se tornar também membro de outra, assim como para criar uma terceira. Além disso, a sociedade reconhece formalmente essa mudança. Assim, para além da ligação pessoal de um com o outro e dos sentimentos de consciência e de responsabilidade que isso implica, forças externas muito poderosas atuam para que o casal se sinta rodeado de expectativas e ideias preconcebidas de que o casamento se manterá até que a morte os separe.
O divórcio no Brasil foi legalizado no final da década de 1970. Antes disso havia o desquite, a dissolução da sociedade conjugal, pela qual se separavam os cônjuges e seus bens, sem quebra do vínculo matrimonial. Normalmente a culpa pela separação era atribuída principalmente a um dos cônjuges. Entre as causas de desquites estavam registrados abandonos do teto matrimonial, adultérios, alcoolismo, brutalidades e violências físicas, enquanto as separações amigáveis eram raríssimas. Na maioria dos casos, principalmente entre as mulheres, a alternativa para a separação, considerada um remédio extremo para um mal irremediável, era aguentar passivamente uma situação intolerável na vida conjugal. Isso ocorria porque muitas mulheres tinham filhos, não tinham para onde ir e não possuíam uma formação profissional que lhes proporcionasse uma independência financeira.
Além disso, a condição de separado era fortemente condenada tanto pela Igreja quanto pela sociedade (uma pessoa separada, principalmente uma mulher, era sempre estigmatizada, rotulada como promíscua, pouco confiável e desonrada). Uma pessoa separada não tinha reais possibilidades de construir com serenidade uma nova vida afetiva que fosse legalmente reconhecida.
Hoje em dia, depois da instituição do divórcio, a separação conjugal é amplamente aceita em todos os níveis, as motivações tendem a ser mais articuladas e as separações amigáveis mais frequentes. Ocorre então que o fim de um casamento é mais aceito e a separação passa a ser a solução de um problema, ao invés do ato final de uma tragédia.
Quando um casamento pode ter chegado ao fim?
As razões que hoje em dia são alegadas para obter a separação amigável enquadram-se, na maioria dos casos, na categoria da incompatibilidade dos cônjuges. Podem ser considerados suficientes para justificar o rompimento do vínculo matrimonial os seguintes fatores: a perda da intensidade e do calor afetivos, a insatisfação sexual, a progressiva falta de prazer de estar juntos e a perda gradual da capacidade de comunicação.
Pode acontecer também que, a inexperiência resultante da juventude e imaturidade do casal provoque surpresas desagradáveis no curso de sua vida em comum: eles percebem que têm personalidades profundamente diferentes, com divergências de interesses e de opiniões também na escolha das atividades e das amizades. Com o passar do tempo crescem e amadurecem de modo distinto e não paralelo, sobretudo porque o caráter e os desejos de cada um se desenvolvem em direções opostas. E então, se não existe mais um acordo, qualquer acontecimento, mesmo irrelevante, pode vir a ser motivo de briga. Para complicar, interações neuróticas podem potencializar as divergências e a criar a incapacidade (ou falta de vontade) de chegar a um acordo.
Quando a consciência da situação crítica se aguça, o casal questiona o sentido de prolongar o relacionamento conjugal em bases tão frágeis. Geralmente, a preocupação com os filhos, que são os primeiros a ressentir-se de uma união que não deu certo, retarda uma decisão definitiva. Porém é fácil, ao final das contas, perceber que viver em um clima de tensão e de incompreensão, onde a discussão aberta ou implícita está na ordem do dia, os prejudica mais do que uma separação.
Além disso, os cânones morais que antes induziam a um comportamento regulado segundo esquemas fixos e precisos perderam sua rigidez. O novo direito familiar, que iguala os deveres e direitos dos cônjuges e o próprio movimento pela emancipação da mulher em todos os campos contribuíram muito para a crise de valores tradicionais, provocando um certo desequilíbrio dos modelos estabelecidos.
A condenação unânime que recaia sobre as pessoas separadas está praticamente superada. Hoje vivemos um momento em que começar uma vida matrimonial não significa ter de percorrer um caminho previamente traçado, de forma rígida e solene pela tradição. É importante ter liberdade para percorrer caminhos nos quais cada um busque novos equilíbrios e novas maneiras de ser. Caíram por terra as barreiras legais e sociais que se erguiam diante de todos, impedindo uma revisão crítica de opções passadas. Isso significa que agora é possível errar e que ter errado não significa mais ter de jogar fora a própria vida.