por Ceres Araujo
Hoje existem diversas formas de nascer, diferente de antigamente onde se nascia da mãe biológica ou se era adotado. Atualmente, com o desenvolvimento das técnicas de fertilização assistida, têm-se novos modos de se vir ao mundo, entre eles: óvulo doação, ovo doação, barriga de outra mulher. Isso pode ajudar a inserir a criança adotada na sociedade e talvez diminuir os preconceitos em relação a ser filho adotado.
Entretanto, se os preconceitos a respeito da adoção diminuíram nos últimos anos, o processo de adoção tem sido uma via-crúcis percorrida tanto por quem se interessa em adotar uma criança no Brasil quanto para a criança a ser adotada, que permanece por longos anos nos abrigos de proteção com todos os conhecidos danos decorrentes.
Acolher uma criança em adoção é construir com ela uma história em comum, mediante um entrelaçamento entre a “bagagem” da família que adota e a “bagagem” que a criança traz. Entende-se por “bagagem” a integração de muitos fatores como a hereditariedade, as condições sócioculturais, as fantasias, os sonhos, as expectativas, os mitos, as crenças…
Uma criança tem o direito de possuir uma família, capaz de suprir suas necessidades de crescimento físico, afetivo-emocional, social e intelectual. Existem adultos solicitantes de uma adoção, mas o ideal seria a existência de adultos que se declarem capazes da disponibilidade necessária para adotar criança.
Nesse mês de agosto foi sancionada uma nova Lei da Adoção. Pelas novas regras, as crianças e os adolescentes não devem ficar mais que dois anos nos abrigos de proteção. Esse dispositivo legal tem como um dos objetivos encurtar o caminho judicial entre as 80 mil crianças e adolescentes vivendo em abrigos no País e as futuras famílias.
A nova lei prevê que, antes de a criança ser encaminhada a um abrigo, sejam esgotadas as possibilidades de acolhimento pela própria família. No caso de perda do pai e da mãe, por exemplo, tios, avós e parentes próximos serão estimulados a assumir a criança. Porém, neste caso, existe a possibilidade da destituição ser dificultada e a criança precisar permanecer em uma família que foi negligente, que a maltratou, por exemplo.
Antes da nova lei, a estimativa média para o término de um processo de adoção era de três anos e sete meses. Agora, mediante o novo texto legal, o juiz terá no máximo um ano para decidir a destituição de uma criança de uma família por motivo de abandono ou maus-tratos e possibilitar a adoção por outra família.
Entretanto a exigência de perfil é um dos entraves. Recém-nascidas brancas são as preferidas por 50% para adoção. A espera para adotar uma criança com essas características pode demorar muitos anos, pois existe uma longa fila. Crianças de mais de quatro anos, por outro lado, permanecem por vários anos nos abrigos, podendo chegar à adolescência sem chances de adoção.
Há uma exigência frequente dos pais que as crianças a serem adotadas sejam brancas, meninas e tenham até dois anos. Tal exigência advém de preconceitos: é difícil se criar uma criança cuja cor favoreça discriminação, do mesmo modo que se acredita que os meninos sejam menos dóceis, mais agressivos. Em síntese, muitas pessoas aderem ao mito de que essas duas condições complicam criar e educar um filho adotivo.
Mais frequente ainda é a condição de que a criança seja bem jovem. Tal condição, diferente das anteriores, não é baseada em preconceitos. Sabe-se que a relação pais-filhos, desde o inicio da vida, é altamente constitutiva para a mente da criança. Assim, é compreensível a preocupação, das pessoas que desejam adotar uma criança, de que o contato com o filho se estabeleça o mais cedo possível.
Existem também pessoas que preferem adotar crianças ao redor do primeiro ano de vida, quando se pode ter mais certeza a respeito de um desenvolvimento neuropsicomotor adequado.
Assim, quase não existe a preferência por crianças com idade mais avançada, que, em geral, passaram os primeiros ou alguns anos de suas vidas em orfanatos ou instituições similares. Sobre elas são projetadas com mais intensidade as fantasias de que não irão se adaptar à nova família.
Tentativas para evitar uma longa estadia nos abrigos de proteção têm sido feitas, tanto no Brasil, quanto em outros países, como, por exemplo, na Itália com o sistema de “Affido” e nos Estados Unidos com o modelo de “Foster family”.
Esses sistemas, acima mencionados, possibilitam uma “família substituta” ou uma “adoção temporária”, cuja vantagem é possibilitar à criança de idade mais avançada, a convivência em família, ou seja, a experiência de “estar – com”. Em muitos casos, essa experiência “temporária” acaba resultando em uma adoção definitiva.
A nova lei brasileira de adoção visa evitar a longa estadia nos abrigos, à medida que agiliza todo o processo, evitando a longa institucionalização, pode ser benéfica para todos: às crianças e aos adultos com disponibilidade para adoção. Porém, só uma mudança na legislação não será suficiente. Sabe-se que existe um número insuficiente de assistentes sociais, de psicólogos, de equipes técnicas e a centralização de muitos processos em um único juiz, o que acaba resultando na demora exagerada em todas as etapas que passam os pais interessados em acolher uma criança.
Além disso, novas medidas que favoreçam a acolhida das crianças maiores, usualmente não preferidas para a adoção, precisarão ser pensadas e colocadas em prática. A infância passa rápida e não deve ser passada em instituições abrigo.