por Rosemeire Zago
Hoje quero compartilhar a história que aconteceu com uma amiga minha, a Ane Figueiredo, para que possamos começar o ano não apenas nos lamentando de tudo de ruim que nos aconteceu no ano que passou, ou ainda, começarmos este novo ano acreditando que tudo de ruim acontecerá conosco novamente. Creio que tudo depende de nossa visão dos acontecimentos. Segue o relato abaixo.
Quando comecei minha vida no magistério uma de minhas primeiras classes foi uma 5ª série terrível. Eram crianças saudáveis e com uma energia de dar gosto. Na época minha filha estava com seis anos e de alguma maneira eu estava acostumada a lidar com crianças nesta idade, que são verdadeiros “anjinhos” quando querem, e principalmente quando estão longe dos pais.
Nessa classe tão especial havia um menino muito arteiro, próprio da idade e da maioria dos meninos, mas uma criança adorável, porém um tanto quanto sapeca. Aprontava todas e mais algumas. Quem tem filhos nesta idade sabe o que estou dizendo… ou quem se lembra de sua infância, apesar de que hoje os limites e a energia deles estão cada vez maiores.
Num dia especial, ele, o Adriano, fez algo que não me recordo, porém foi grave e a direção da escola chamou sua mãe para uma conversa. Como eu era a coordenadora, fui chamada para falar com ela. Quando a mãe do Adriano chegou, era visível que estava muito brava e num tom de voz alterado já foi dizendo: “Professora, o que este peste aprontou de novo? Pode falar que hoje eu acabo com ele, vai tomar uma surra que jamais esquecerá.” Adriano mais do que de pressa se agarrou em minha cintura aos prantos, com muito medo e disse: “Professora, ela vai me bater…”
Como ele chorava muito, fiquei muito assustada e comecei a conversar com a mãe, dizendo que ele era muito arteiro mesmo, mas também era uma criança linda por dentro, com um enorme coração, tinha muita bondade, educação e que eu sentia por ele muita ternura. A mãe sem entender nada começou a me escutar cada vez com mais atenção. Completei dizendo que seu filho era uma criança adorável, e fui destacando todas as qualidades dele, que ela parecia nunca ter ouvido, ou sequer percebido. Enfim, ela foi embora me prometendo que não iria bater nele. Devia pensar que eu ia falar muito mal de seu filho, mas quando comecei a elogiá-lo, ela ficou sem reação. O tempo passou e nunca mais soube do Adriano.
Depois de uns 15 anos, passei a dar aula numa escola da periferia da Baixada Santista, onde tenho que dirigir por um morro muito escuro, tarde da noite, para chegar a minha casa. Uma noite ao sair da escola por volta das 23h00, cansada e aborrecida com alguns problemas, louca para chegar em casa, tomar um banho e comer alguma coisa, ao descer o tal morro, mas ainda muito longe de minha casa, no meio da escuridão, acabei por não ver na pista muitos cacos de vidro, e ao passar por cima deles, o pneu do carro rasgou completamente.
Nem preciso dizer a raiva que senti, mas como nada podia fazer, acionei a seguradora para pedir socorro, e lá fiquei. Enquanto esperava comecei a pensar no que poderia ter acontecido se o pneu tivesse furado na descida do morro, onde nem lugar eu teria para parar e de certa forma me acalmei, mas me perguntava por que tinha que acontecer aquilo justamente quando me sentia tão cansada e chateada, parecia até que era para piorar meu estado de espírito, que já não estava muito bom.
Fiquei esperando por uns 40 minutos até que enfim o carro do socorro chegou. Sai de dentro de meu carro em direção ao moço que iria trocar o pneu, mas quando olhei para seu rosto fiquei em choque. Era o Adriano! Com a mesma carinha de menino levado, só que agora um homem. Ele olhou para mim, nos abraçamos lá mesmo no meio da rua. Ele trocou o pneu e quando já estava indo embora, me olhou fixamente e disse: “Professora, você se lembra daquele dia que a minha mãe foi na escola?” É claro que eu me lembrava. Eu respondi que sim e ele continuou:
“Naquele dia professora, quando cheguei em casa minha mãe disse que não iria me bater porque a senhora havia pedido, mas não foi isso o mais importante para mim… Enquanto você falava com ela, você disse tanta coisa boa, disse que eu era educado, lindo, fez tantos elogios que eu a partir daquele dia comecei a mudar. Eu acreditei em suas palavras e que eu podia ser mesmo tudo aquilo e há muito tempo queria te encontrar só para te dizer que você mudou a minha vida e que a partir daquele dia eu passei a ser uma pessoa melhor e hoje eu uso tudo que você fez por mim na educação do meu filho. Eu sempre o elogio, reconheço o que ele faz de bom e não apenas o que faz de errado. Eu jamais esquecerei de você e se hoje sou o que sou, certamente você fez parte disso e eu só queria lhe agradecer!”
Nem preciso dizer que eu fiquei ali abraçada a ele chorando muito e agradecendo a Deus por meu pneu ter rasgado. Naquele instante eu percebi que muitas vezes somos tanto para algumas pessoas e nem nos damos conta disso. E que o amor quando plantado verdadeiramente, é colhido durante toda uma vida!
Diante deste relato, podemos refletir a diferença que podemos fazer para uma ou mais pessoas sem sequer percebermos, basta que olhemos cada uma como um ser humano especial como todos nós somos. Podemos sim fazer nosso mundo melhor, desde que cada um olhe para os lados, para as pessoas que convivem tão perto, e por vezes não olhamos nem nos olhos de nossos filhos ao perguntarmos se estão bem. Não olhamos nem dentro de nossos próprios olhos para sabermos o que verdadeiramente estamos sentindo. Só sabemos correr, correr, trabalhar, ganhar dinheiro, mas há momentos em nossas vidas, que a recompensa de um agradecimento por um ato de amor sincero e singelo pode fazer toda a diferença.
Pare de se lamentar pelos acontecimentos que não podemos controlar, pelos momentos em que somos impotentes perante uma situação. Não sabemos nada do que está por vir, pouco sabemos do amanhã, do daqui a pouco. Seja qual for a situação, agradeça e perceba o aprendizado que o Universo nos reserva em forma de sutis mensagens, em forma de pequenos atos que não muda apenas a vida de quem recebe, mas principalmente, de quem oferece!