por Roberto Goldkorn
Uma das coisas que mais me fascinam em novelas ou mesmo em romances são as famosas viradas. Isso acontece quando um personagem passa a trama toda sendo humilhado por ser pobre e de repente por obra de algum “milagre” fica rico. Ou então ao contrário, quando o personagem é arrogante, prepotente, opressor dos fracos e oprimidos, e por obra da “virada” cai em um abismo de desdita sem fundo.
Gosto de viradas. Gosto principalmente de seu conteúdo farsesco como se fosse uma luta de telecatch onde o “mocinho” apanha que nem boi ladrão do “bandido”. Ele recebe tantos golpes baixos e deslealdades e quando consegue “virar” o jogo (tudo devidamente ensaiado e no timing certo) a platéia (eu) lava a alma deleitando-se ao assistir confortavelmente a casa do bandido cair.
Mas essa virada “heróica” ou justiceira tem também outras faces dentro do fenômeno humano. Uma mãe e dona de casa exemplar que durante a vida inteira se preocupou em reproduzir o modelo conservador de cultura de repente se apaixona por outro. Dá pra imaginar? Ela que ergueu com tenacidade tijolo por tijolo num traçado simétrico, agora quer derrubar as paredes? Como fazer? A quem recorrer? Ao bispo? Ela que lutou pela moral e pelos bons costumes agora estava do lá de lá da Lei.
Todos se voltam contra ela, de uma hora para outra ela passa a ser a Geni do Chico Buarque. Para as amigas do chá das cinco ela pirou, para o marido e para os filhos ela morreu ou foi abduzida por entidades alienígenas, em seu lugar baixou alguma entidade devassa, zombeteira destruidora de lares.
“O melhor mesmo é ir fazendo pequenas viradas todos os dias, e nunca, em nenhuma hipótese acharmos que a vida está estável, à prova de viradas. Manter um espírito marinheiro, sempre pronto a balançar com o tombo do navio, é o melhor nesses casos…” Durante a vida toda ela defendeu pontos de vista que achou serem seus, mas não eram. Ela fingiu estar à vontade no papel, fingiu amar o seu homem, fingiu os orgasmos. Fingiu os sorrisos sempre em nome de uma boa causa. Nem em suas fantasias mais delirantes ela podia prever uma tal virada, até porque trabalhou diligentemente para que isso nunca acontecesse tornando-se uma matrona sem sex appeal. Mas aconteceu.
As viradas de vida podem acontecer a qualquer um, e a razão é simples. Lembram daquele dito popular: “cuidado com o que pede (ou deseja) por que um anjo pode estar passando no momento e dizer amém”? Pois é a nossa acomodação a status emocionais e sociais infelicitantes leva a projeção de desejos secretos, inconfessáveis, que eventualmente podem ser atendidos por um gênio da lâmpada sacana. Aí vem a tal virada.
As viradas quando não são fenômenos puramente aleatórios são frutos de uma energia acumulada nas franjas do nosso inconsciente, naquela “região” que Jung chamou de sombra. Essa “energia” emocional de raiva, conteúdos recalcados, desejos de vingança, etc, vão se acumulando e um dia transbordam “viram” e tchan tchan tchan…. aí temos uma virada.
Podemos dizer com algum temor que a virada é um processo químico/físico, uma reação natural de um desequilíbrio que vai buscar se reequilibrar mais tarde.
Adoro viradas por que são vivificantes, são renovadoras da vida, ainda que possam tumultuar a vida que estão renovando, e como tumultuam. Os mais sábios entre nós conhecendo essa mecânica viram deliberadamente a própria vida sem dó nem piedade, achando que uma tempestade controlada e melhor que uma chuvinha sem nenhum controle. Pode ser.
O melhor mesmo é ir fazendo pequenas viradas todos os dias, e nunca, em nenhuma hipótese acharmos que a vida está estável, à prova de viradas. Manter um espírito marinheiro, sempre pronto a balançar com o tombo do navio, é o melhor nesses casos…
A mentalidade controladora talvez seja a que mais costuma sofrer nos casos de virada de vida. Aqueles que tentam controlar cada movimento da roda da fortuna na verdade têm muito medo ou preguiça de lidar com as invertidas tão ao gosto dos romancistas.
Talvez seja por isso que me fascina tanto o arquétipo da virada, pois eu também tenho esse viés controlador. Mas sei que a verdade está no meio, ou como dizia a minha mãe nem tanto ao céu nem tanto a terra. Por isso também que brigo tanto com a minha mulher que se arrepia sempre que um imprevisto acontece. Ela reclama: mas isso não havia sido combinado! Ou: “Eu não esperava por isso!” E eu dizendo para mim mesmo, mas me dirigindo a ela (é sempre mais fácil): “Tem de ter jogo de cintura mulher. Tem de se adaptar”.
Treinando a perda do controle sobre tudo e sobre todos, podemos praticar com as microviradas e quando vierem as grandes quem sabe estaremos preparados.