por Danilo Baltieri
"Meu marido usa cocaína desde seus vinte poucos anos. Nunca usei e detesto drogas. Já terminei por isso. Depois jurou não usar mais e acabamos nos casando. Apesar de sempre esconder e manter as aparências, sei que nunca largou. Por ser de família tradicional, e ser engenheiro e muito inteligente, consegue esconder a verdade. Quando começo a confrontá-lo por causa das mentiras, manipula para que eu pareça errada. Ele é extremamente convincente, se faz de vítima e se coloca com autoritarismo diante dos filhos. Nós separamos, mas voltamos na época do casamento de nossa primeira filha. Foi uma recaída minha, pois acabo acreditando que exagero. Ele nunca admitiu ser usuário de coca e muito menos que abusa do álcool. Estou pensando em abrir o jogo e acabar com a farsa, mas minha intenção é fazer de forma correta para ajudar na tentativa dele admitir a verdade."
Resposta: Aproximar-se de uma pessoa familiar e usuário de cocaína para conversar sobre esse comportamento e propor possíveis tentativas de intervenções para dirimir o problema, pode parecer atitude intimidante para ambos os lados. Invariavelmente, o interlocutor não usuário deve demonstrar atitude apoiadora e compreensiva, por mais difícil que isso possa parecer.
O interlocutor deve deixar claro que conhece o problema relacionado ao consumo da droga por parte do usuário, bem como as dificuldades para superá-lo. Também, o interlocutor deve deixar claro que apoiará todas as fases do tratamento, inclusive aquelas marcadas pelas famigeradas recaídas. No entanto, também deve reforçar que, embora entenda que as mentiras podem ser usuais entre aqueles que abusam de substâncias psicoativas, elas não deverão ser toleradas.
Auxílio de profissional médico especializado no tema pode ser de grande valia tanto para os familiares quanto para o usuário em todas as fases do processo de recuperação. O profissional deverá conhecer todos os detalhes do caso em questão e propor, a partir disso, estratégias mais específicas.
Outrossim, em algumas situações onde a negação do problema é completa, apesar das repercussões negativas evidentes, a participação de outros membros familiares confiáveis durante o processo de convencimento sobre a necessidade da busca por auxílio especializado faz-se necessária.
Os familiares devem, então, reconhecer a existência do problema relacionado ao consumo da substância evitando – sob quaisquer hipóteses ou pretextos – mentiras.
Como abordar o usuário?
Embora correndo o risco de ser muito generalista aqui, abaixo proponho algumas abordagens rápidas (na forma de questões) que podem ser utilizadas pelo interlocutor não usuário:
a) Você gostaria de ver algo diferente em relação à sua atual situação?
b) Existe algo que faz você pensar sobre a necessidade de envidar esforços para mudar seus hábitos?
c) Você tem alguma ideia sobre o que vai acontecer se você não tentar mudar?
d) Se você conseguisse deixar de usar a substância, o que faria de diferente na sua vida hoje?
e) Por que você acha que eu e os outros estamos preocupados com você?
f) Se você estivesse a fim de mudar, por onde começaria? Pensaria em procurar algum profissional especializado para auxiliá-lo nesse processo?
g) Suponha que você não mude, o que de pior poderia ocorrer para você?
h) Suponha que você mude, qual a melhor coisa que você consegue imaginar que poderia ocorrer para você?
i) Se você conseguisse mudar, como seria sua vida? Seria diferente do que é hoje?
É claro que profissionais especializados no tema têm o treinamento necessário para motivar o usuário a iniciar o tratamento, embora nem sempre seja tarefa fácil e promissora.
Muitas vezes, se apenas um parente conhece o problema do familiar usuário, o peso desse conhecimento pode ser extremamente grande e muitos dos esforços do parente não usuário para auxiliar serão infrutíferos. Incluir familiares confiáveis e dispostos a realmente ajudar a convencer o usuário a buscar auxílio profissional será bem-vindo.