Sentir, pensar e agir são comportamentos, mas é preciso prestar muita atenção no que a pessoa diz e no que ela faz
Estas três palavras permitem a qualquer pesquisador ou clínico escrever inúmeros tratados sobre cada uma e também acerca da interação entre todas. Pretensiosa ou ingênua, palpitarei em poucas linhas, apenas na tentativa de plantar sementes de reflexão em um eventual leitor.
Sentir, pensar e agir: uma pequena digressão
Para um psicólogo analista do comportamento como sou, sentir, pensar e agir são comportamentos. O sentir geralmente está mais ligado aos acontecimentos que o antecedem, “pisaram no meu pé e senti dor”, “testemunhei a infidelidade do meu marido e na hora meu coração quase saiu pela boca”. De todo modo, ninguém nasce conseguindo falar sobre o que se sente no corpo, há uma complexa aprendizagem envolvida, que começa muito cedo na infância. Aprende-se a nomear estados do corpo e a conectá-los a contextos de vida, a depender da qualidade mais ou menos refinada do investimento parental, escolar, social sobre a criança e adolescente.
Ao longo do desenvolvimento neuropsicológico típico, surge o comportamento verbal em suas muitas manifestações. É uma habilidade complexa, que depende de condições físicas e da estimulação provida pelo meio externo, que provê consequências para as verbalizações, desde os balbucios mais básicos, até sentenças complexas. Falar, ouvir e reagir demostrando compreensão, escrever, relacionar a foto de um gato, um gato de pelúcia, ao gato de carne e osso, à palavra gato falada por alguém e às letras g-a-t-o, nesta ordem são algumas entre um infinito número de possibilidades.
Com o tempo aprendemos a sermos falantes e ouvintes de nós mesmos. Alternamos papéis e vamos longe assim, perdidos ou bem situados no universo das ideias. Enquanto teclo no notebook, comento para mim opiniões sobre cada palavra escolhida. Fantasio como leitores poderão entender o que escrevi. “Passarei ou não meu recado?”, me indago.
Personagem de Woody Allen e as 415 possibilidades
Muito interessante foi ver um personagem do Woody Allen pensando 415 possibilidades graves de doenças e formas de morte num futuro próximo, buscando conforto (uma forma de agir) em n religiões num modo fast-food. Boa parte do sofrimento do indivíduo ocorria predominantemente num nível privado, acessível a terceiros somente se o personagem compartilhasse o que se passava em sua cabeça e no resto do corpo. Mais sentido haveria se explicasse também que o tumulto começou quando sentiu cefaleia e tontura e pensou que poderia ser um tumor grave.
A natureza social destes comportamentos nos obriga a prestarmos atenção no que acontece depois que falamos ou fazemos algo. O que recebemos em troca: indiferença, silêncio, rebates, olhares de censura, apoio, sorrisos, frases que alimentam o diálogo, benefícios naturais ou espúrios, reações dúbias, o que, afinal de contas? A maior ou menor probabilidade futura de uma dada ação mantém dependência significativa destas referidas consequências.
Por volta de 1972, deixei uma questão sem responder na lição de francês, eu ia tirar dúvida sobre o tempo verbal com o professor. Vistando os cadernos, o sujeito viu minha lição incompleta (uma única questão), mal me ouviu e me expulsou da sala aos berros, me “mandou para a sala da (des)orientadora educacional”, para onde segui como um cordeiro assustado, baleado a queima roupa, mas que ainda conseguia se arrastar para longe do louco atirador.
Por sorte não fiquei com bode eterno do idioma de Camus, mas para sempre o professor perdeu meu respeito e meu comportamento passou a ser influenciado pela seguinte regra: “se não souber a resposta copie antes de alguém!”. As aulas dele perderam a graça, passaram a me dar medo, até hoje sinto o sabor amargo da injustiça e do comportamento abusivo. Eu era a mais dedicada estudante, não colava (mas facilitava, passava cola aos que queriam ler meus escritos), obediente, e eu fora severamente punida por ter uma dúvida e não saber responder.
Na sala dos professores, nas reuniões, este homem provavelmente se diria justo, atento, correto, eficiente e tudo o mais de belo e nobre no que tange ao seu papel de educador. Na prática testemunhei na pele o oposto. Atirava o apagador em algum aluno, gritava, humilhava, era ameaçador. Havia, aos meus olhos, uma disparidade entre o que provavelmente falava para seus pares ou superiores acerca de sua atuação docente e o que fazia na prática com alguns alunos.
Um modo eficaz de poder conhecer melhor uma pessoa
E aí chego ao ponto da coluna de hoje. Precisando se fiar entre o que uma pessoa diz e o que ela faz, prefira a segunda opção, caso você pretenda avaliar/conhecer melhor a pessoa. Observe as ações desempenhadas ao longo do tempo em várias instâncias de um mesmo contexto e em vários contextos.
Uma jovem adulta, minha cliente, havia dispensado sem hesitar um pretendente que todos consideravam um “partidão”. Lindo, bem de vida, sedutor. Ela me descreveu que nas poucas vezes que saíram, ela o viu ser arrogante com o garçom, superimpaciente com o manobrista, que estava atabalhoado com carros demais para um único funcionário; escutou pacientemente ele contar das estações de esqui para onde ia nas temporadas, dos carros esportivos que já teve ou viria a ter, das empresas do pai etc. Não demonstrou interesse sobre a vida dela, de fato elogiou sua beleza e elegância, fez questão de escolher o melhor champagne e alardeou isso a ela (sem saber, sequer, se ela bebia álcool ou o que preferiria beber) e por aí foi!
Com ela, voz macia, flores, bebida fina e elogios tentava mostrar-se um homem fino, rico e apaixonado. Mas a cliente, atenta, identificou desqualificações ao todo da pessoa dela, havia profusão de comportamentos narcísicos, autoritários e muito, muito desrespeito com quem mal tem como se defender (os funcionários que o atendiam). Para minha cliente já foi o suficiente, entendeu que era lobo em pele de cordeiro, “por fora era bela viola e por fora pão bolorento!”, diria minha avó…
Promessas, de namorados, conhecidos, fornecedores, sócio, políticos, filhos, síndicos ou de qualquer outra pessoa com quem nos relacionamos, só poderão ser levadas a sério, e tomadas como descrições de eventos futuros muito prováveis, quando houver uma história significativa de congruência entre o que se diz e o que se faz, está entendido?