por Rosemeire Zago
Este é o sexto artigo de uma série sobre maus-tratos à criança e ao adolescente. Para ler o anterior clique aqui.
Hoje quero falar das crianças que foram o “orgulho” dos pais e da família.
Você sente que quando criança já tinha que ser um “pequeno adulto”?
Crianças que eram elogiadas pelos seus feitos, como: não usar mais fraldas desde muito cedo, cuidar dos irmãos menores, serem obedientes, não expressar raiva, não chorar… Enfim, corresponder ao que se esperava dela, em geral, deveriam ser adultos confiantes e estáveis, mas não é isso que encontramos. Uma pessoa que foi orgulho dos pais poderá, quando adulto, ser dependente da admiração dos outros, assim como quando era criança, e continuará fazendo tudo que pode para obter essa admiração.
Lamentavelmente, muitos pais fazem de seus filhos pequenos adultos, colocando responsabilidades neles acima da idade. Isso pode ocorrer por diversos motivos, como a necessidade de realizar seus sonhos através dos filhos, repetirem os mesmos padrões de educação que foram criados, ou o contrário, querer dar aos filhos tudo aquilo que não tiveram, e com isso os sobrecarregam, criando-os como se fossem troféus, como se para provar como são bons pais.
Uma infância marcada pela falta de respeito, necessidade de controle, manipulação (pela culpa e medo), e pressão por resultados, dificilmente a pessoa quando adulta irá confiar em si mesma. Quem nunca experimentou o amor verdadeiro quando criança, não tem referências para confiar em si e continuará fazendo de conta que ama, inclusive a si mesma.
Para uma criança, o pavor diante do menor sinal de desaprovação significa uma ameaça de abandono e rejeição pelo que ela é de verdade. Os pais, com as melhores intenções, desejam e fazem de tudo, para que seus pequeninos sejam os melhores, e com isso não percebem o quanto estão fazendo com que se distanciem de quem eles são na realidade. Como a criança é completamente dependente de seus pais, e precisa ser amada incondicionalmente, ela faz qualquer coisa para não perdê-los. E isso inclui perder-se de si mesma, e ao longo dos anos, provavelmente, irá prevalecer um sentimento de vazio, uma falta de sentido, como se faltasse algo.
A criança percebe que não foi amada pela pessoa que é, e já adulta, poderá perceber que todo amor que conquistou com tanto esforço, não era dirigido a ela como realmente era, mas dirigido aos seus feitos. Claro que todo esse processo ocorre de forma inconsciente, mas pode vir à tona durante o processo de psicoterapia, trazendo toda a dor que foi reprimida por tanto tempo, fazendo com que identifique o que chamamos de dor original. Ou seja, o momento ou situação da origem de sua dor. É quando a pergunta: “o que foi feito da minha infância?” é inevitável.
Outra forma de ser orgulho dos pais e que gera uma total falta de respeito com os sentimentos da criança é o desprezo pelo que ela sente de verdade, não permitindo que ela expresse sua tristeza, alegria, mágoa, medo, raiva, porque na verdade, os adultos muitas vezes não sabem como lidar nem com os próprios sentimentos e muito menos com o que sentem seus filhos, e a única forma que conseguem é fazendo com que a criança reprima tudo o que sente.
O que humilha a criança é o desprezo pela sua pessoa, que se pode dar de vários modos. Um exemplo é quando o pai de uma criança de 7 anos morreu e sua tia lhe disse: “é preciso ter coragem e não chorar, vá para seu quarto brincar”. Como assim brincar? É isso mesmo, infelizmente é essa a realidade de muitas crianças até hoje. Não há espaço para manifestação dos sentimentos, não há espaço para perguntas, não há espaço para sentir, não há espaço para ser ela mesma.
Essa é uma das formas que aprendemos desde cedo a silenciar e reprimir o que sentimos, e isso pode perdurar na vida adulta, e ainda pior, podemos repassar também aos nossos filhos. Qual criança não sentiu que seus medos foram motivo de riso? Acompanhado da frase: “por que está com medo, não precisa ter medo disso!”. A criança sente vergonha, desprezo pelo que ela está sentindo, e com isso aprende a corresponder ao que esperam dela, e assim, quem sabe, será aceita.
Durante o processo de autoconhecimento o adulto, juntamente com um profissional experiente, poderá experienciar que nunca foi amado pela criança que era, mas sim, usado por suas realizações, sucessos e qualidades, e ao perceber que sacrificou sua infância por um chamado amor, irá desejar muito encontrar o seu verdadeiro self, quem ele é na verdade, e o mais importante, irá perceber que não precisa mais reprimir seus sentimentos para corresponder às necessidades e/ou expectativas dos outros, e enfim, ser ele mesmo.