Por Ivelise Fortim – Psicóloga componente da equipe do NPPI
Atualmente muitas pessoas se conhecem por meio da Internet. Em todos os lugares ouvimos historias de gente que se conheceu via rede, desde os consultórios de psicologia, até as conversas de bar; lemos sobre essas historias na mídia, ouvimos relatos de um vizinho, de um amigo ou uma amiga, ou seja, de gente que conhecemos diretamente. Enfim, são muitos os relatos sobre encontros de pessoas que se conheceram na Internet. Ou ainda, mais do que apenas relatos, muitos de nós já tivemos a própria vivência desse tipo de encontro.
Surge então a pergunta: será possível conhecermos alguém ‘verdadeiramente’ na Internet? Nessa discussão existem sempre ao menos duas correntes. A dos internautas entusiastas, que sempre falam a favor, alegando que na net se pode ser quem se é, sem reservas; e a dos conservadores, que acham que no contato via Internet falta o encontro ‘cara a cara’, o cheiro, ou ainda – seja lá o que for esta falta -, mas existe algo que falta, e que só a vivência face a face poderia fornecer. Em minha opinião, ambas as posições estão corretas, e não são opostas, mas sim, complementares.
Por um lado, é fato que a Internet permitiu que muitas pessoas pudessem se expor de um modo talvez nunca antes conhecido pela humanidade. Nunca houve um espaço onde os tímidos encontrassem um lugar de expressão tão amplo e tão libertador. A Internet pode dar ao usuário uma sensação de anonimato que muitas vezes liberta o sujeito para se expressar. Mas, mesmo que a interação não seja anônima, e sim identificada (por exemplo como ocorre no UOL K e Orkut), o computador parece permitir um rebaixamento da censura interna, deixando à mostra o que há de melhor e pior em cada um de nós.
Muitos dizem, e com certa razão, que os relacionamentos estabelecidos pela rede são mais sinceros e honestos do que poderiam ser na vida real, justamente pelo fato da rede propiciar um espaço para a expressão de aspectos que não teríamos coragem de expressar de outra forma. Assim, de fato podemos saber muito sobre o outro pela Internet. Podemos não conhecer o seu cheiro, mas sabemos o que ele pensa e sente, muitas vezes temos sua imagem por meio de fotos e ‘webcams’, falamos com ele por meio do ‘Skype’ como antes falaríamos ao telefone. Sabemos muito do mundo interno do outro, entretanto, não podemos nos iludir e acreditar que desta maneira o conhecimento do outro é completo. Temos um conhecimento que não pode ser desprezado. Usuários contumazes de Internet sabem muito bem que a idéia de um relacionamento frio mediado pela Internet é uma idéia muito fantasiosa sobre o que se passa na rede. Atire a primeira pedra quem nunca discutiu com alguém querido por MSN!
Por outro lado, quando conhecemos alguém fora da Internet, também não o conhecemos por completo. Sempre haverá uma esfera da realidade da pessoa que não conhecemos. Temos acesso sempre a apenas uma parte do outro, aquela que ele deseja e/ou consegue mostrar. Assim é, quando descobrimos coisas inimagináveis sobre nossos maridos ou filhos, coisas que jamais intuímos que eles pudessem pensar ou sentir. Descobrir um bilhete, ouvir um telefonema por acaso, são exemplos de fontes que nos revelam o quão pouco conhecemos sobre as pessoas que temos como próximas e íntimas. Muitas vezes, quando conhecemos as pessoas no cotidiano, na vivência face a face, de repente nos surpreendemos com as coisas que descobrimos que ela faz na Internet! Será que mesmo no cotidiano e, sem a mediação da Internet, conhecíamos de fato esta pessoa?
Em resumo, o que é mostrado na Internet nem sempre é mostrado no cotidiano, e vice-versa. Assim, quando conhecemos alguém na Internet, conhecemos somente uma de suas partes – em geral seus pensamentos e sentimentos. Por isso, muitas vezes há o choque do encontro de namorados virtuais; aquele corpo, aquela voz, aquele cheiro e aquele algo indizível, que chamamos de charme ou graça, podem ter pouco a ver com a pessoa que conhecemos apenas pela via do computador. De forma equivalente, podemos descobrir – contatando via net – pensamentos e sentimentos aos quais jamais teríamos acesso, convivendo diariamente com uma pessoa.
Nunca se conhece alguém por inteiro. Todas as pessoas são capazes de nos surpreender. Sempre haverá um espaço do outro que nós não podemos acessa ou sobre o qual nós não temos controle. E talvez seja mesmo mais saudável para as relações, o respeito à existência dessa área desconhecida. A existência desse espaço de privacidade é importante para as relações humanas. Conhecendo apenas uma parte da pessoa com quem interagimos, sempre haverá o espaço para o novo, para o inexplorado e para a surpresa, seja ela boa ou ruim. Conhecer alguém pela Internet é conhecer apenas uma parte do seu ser… Assim, podemos sempre nos surpreender tanto com quem conhecemos pela net, quanto com quem conhecemos fora dela.