por Leonel Vieira
Estamos sendo aquilo que podemos ser? Estamos em contato com as forças internas (que o filósofo Henri Bérgson chamou de ‘impulso vital’) que nos impulsionam a evoluir? Ou estamos nos deixando levar pela vida como se estivéssemos no automático, sem nos dar conta direito para onde estamos indo e qual os motivos que nos impulsionam a caminhar?
Reencontrar essas forças dentro de nós, criarmos nosso próprio caminho, implica, antes de mais nada, realmente querer isto. Se realmente o quisermos, o passo seguinte é ouvir a si e aos outros. E agir em consonância com que estamos aprendendo ao ouvir.
Alguns cientistas dizem que, talvez, a única lei realmente universal descoberta, aplicável em todos os campos do conhecimento humano, é a da entropia. De uma maneira geral e em linguagem comum, esta lei pode ser formulada da seguinte forma: Tudo, no universo físico, tende ao caos! Podemos ver isto no nosso cotidiano: deixados sem manutenção, nossas construções, máquinas em geral e outros objetos que criamos tendem a se deteriorar, estragar, até virarem pó, com o passar dos séculos. O mesmo acontece com a Terra, com o Sol e com as galáxias: tudo caminha (até onde sabemos, inexoravelmente) para se extinguir daqui a alguns milhões de anos.
É uma perspectiva sombria… Contudo, há algo no universo que parece contrariar esta lei: é a Vida! A Vida, ao contrário da matéria inanimada, tende a crescer, tornar-se mais complexa, mais rica, mais organizada, vencendo os obstáculos que a impedem de se desenvolver. Já foram encontrados organismos vivos onde os cientistas julgavam improvável haver vida: nas profundezas abismais dos oceanos, nas regiões mais frias da Terra e até em lugares onde a temperatura é próxima à da água fervente.
No nosso dia-a-dia, podemos ver a força da Vida nas pequenas porções de vegetação e flores que surgem nas frestas das calçadas, resistindo às pisadas das pessoas, à temperatura escaldante do cimento superaquecido pelo sol, à poluição. Por vezes parecem minguar, para logo em seguida reflorescer! É a constante superação da entropia.
Esta força, que impulsiona tudo o que é vivo para realizar seu potencial, existe também em nós, humanos. Entretanto, ao evoluirmos, desenvolvendo a consciência, ao mesmo tempo em que ganhamos o bônus de sermos capazes de superar nossos instintos (aos quais o restante dos seres vivos parecem estar escravizados), conquistando algum grau de livre-arbítrio, assumimos, também, o ônus do risco de nos desconectar desta poderosa força vital.
A quebra da ligação com esta força se traduz, muitas vezes, em depressão, ansiedade crônica, dores recorrentes sem causas físicas aparentes, ou numa atividade frenética de busca de estímulos cada vez mais intensos, fugindo do vazio que a falta desta ligação provoca.
Apesar disso, hesitamos em sair da nossa rotina habitual, do nosso comodismo. Por essa razão, quem quiser buscar essa reconexão, antes de mais nada, precisa se fazer a pergunta: Quero realmente entrar em contato mais profundo comigo mesmo e com a Vida? Estou disposto a me imbuir da necessária coragem, paciência e persistência para isso?
Se efetivamente quero isso, o primeiro e fundamental passo é começar a ouvir a si mesmo e aos outros: desejos, aspirações, sonhos, visões de mundo. Nenhum de nós é uma ilha isolada. Para nos conhecermos de fato, precisamos nos relacionar com os outros: através do diálogo, da interação. Ouvindo-os e nos ouvindo, aprenderemos não apenas sobre eles, mas, também, muito sobre nós. E o autoconhecimento, lembra-nos Sócrates, é a base da sabedoria de viver.
Todos temos muito em comum uns com os outros. Contudo, há também muitas diferenças de opinião, cultura, maturidade, objetivos, valores. Por essa razão, às vezes esta interação pode ser frustrante, até dolorida. Entretanto, à medida em que aprendemos a ouvir, mais e mais ela se torna gratificante e estimula o nosso crescimento e o das pessoas com quem interagimos, como nos ensina o filósofo grego Heráclito: “das coisas diferentes nasce a mais bela harmonia.”
Com isso, o caminho que está em sintonia com as nossas mais íntimas aspirações fica gradativamente mais claro para nós. Porém, esse caminho não está pronto de antemão, mas precisamos desbravá-lo, como descobriu o poeta espanhol Antonio Machado: “Caminante, no hay camino, el camino se hace al andar” – caminhante, não há caminho, o caminho se faz ao andar.