Dependência de cafeína: podemos desenvolvê-la muito rapidamente. Isso se deve às alterações neuroquímicas provocadas pela cafeína. E mais: dicas para lidar com a dependência.
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“Acho que tenho dependência de cafeína. Bebo várias xícaras por dia. O que eu devo fazer?”
Resposta: A cafeína (1,3,7-trimetilxantina) é, seguramente, a substância moduladora do humor mais amplamente usada ao redor do mundo. Esta substância é encontrada em mais de 60 tipos de plantas e é um dos alcaloides mais bem conhecidos e estudados.
A cafeína é um estimulante do Sistema Nervoso Central com capacidade de apurar a concentração, aumentar o metabolismo e melhorar o humor. Seja proveniente do café, chá, bebidas energéticas etc, muitas pessoas apreciam fazer uso da cafeína para ficar mais alerta e motivado ou simplesmente para sentir prazer.
O consumo de café está tão intimamente associado com reuniões sociais, familiares e rituais diários que a cafeína acaba por não ser percebida como uma substância psicoativa. E, de uma forma geral, a cafeína é considerada uma droga segura, quando comparada às outras substâncias de abuso.
Mais do que 90% dos adultos fazem uso regular de cafeína, consumindo uma média de 200 mg de cafeína ao dia. Traduzir esta quantidade para número de xícaras de café por dia não é uma tarefa simples. Isso porque a variabilidade da concentração de cafeína no usual “café” que bebemos é considerável, dependendo do tamanho dos recipientes, do tipo e marca do café consumido, se é coado, se é encapsulado, se é instantâneo, quanto tempo está armazenado etc.
Consumo seguro de café
Em termos gerais, uma xícara convencional de café coado tem entre 95 e 130 mg de cafeína, e alguns autores sugerem que um consumo de até 400 mg de cafeína ao dia por um adulto com mais de 70 Kg consistiria em um uso seguro.
Não sem controvérsias, considera-se que caso o uso de cafeína deixe de ser apenas uma experiência prazerosa e passe a ser uma necessidade, podemos estar diante de um problema.
Dependência de cafeína pode ser desenvolvida rapidamente
De fato, nós podemos desenvolver uma “dependência” de cafeína muito rapidamente. Isso se deve às alterações neuroquímicas provocadas pela substância, similarmente ao que ocorre com outras substâncias que produzem recompensa. Por exemplo, se uma pessoa usa cafeína diariamente, uma tolerância aos seus efeitos pode surgir em pouco tempo, e o usuário pode necessitar de mais doses para atingir o mesmo estado de alerta e bem-estar de antes. Outrossim, consumidores diários de cafeína podem apresentar desconforto, quando deixam de usá-la.
Do ponto de vista neuroquímico, a cafeína é uma substância antagonista competitiva de receptores de adenosina, principalmente os receptores chamados A1 e A2A. Os receptores A1 são encontrados em várias regiões do cérebro, como hipocampo, córtex cerebelar e tálamo. Já os receptores A2A são encontrados em regiões cerebrais ricas em dopamina, como é o caso do núcleo caudado, putâmen e núcleo accumbens. A adenosina usualmente inibe a liberação de alguns neurotransmissores (dopamina, norepinefrina, serotonina, acetilcolina, dentre outros), e a cafeína, portanto, facilita esta liberação.
Sintomas da dependência de cafeína
Os consumidores de cafeína podem demonstrar alguns sintomas fisiológicos bastante comuns, tais como:
a) aumento da pressão arterial;
b) aumento dos níveis sanguíneos do colesterol (LDL);
c) aumento da secreção gástrica e da atividade intestinal;
d) aumento da diurese;
e) aumento da perda de cálcio.
Outrossim, quando nós consumimos altas doses de cafeína, podemos apresentar os seguintes sintomas:
a) inquietação psicomotora;
b) insônia;
c) taquicardia;
d) nervosismo;
e) perturbação do funcionamento gastrintestinal.
Outrossim, quando alguém que faz uso frequente de café em altas doses (geralmente acima de 400 mg de cafeína ao dia) e cessa abruptamente o consumo pode apresentar os famigerados sintomas da síndrome de abstinência, tais como:
a) cefaleia;
b) fadiga;
c) sonolência;
d) irritabilidade;
e) sensação de tristeza;
f) dores musculares;
g) dificuldade de foco.
Apesar do prazer de beber um bom café e da variedade de fontes de cafeína, devemos estar alerta aos efeitos nocivos do exagero. Aqueles que percebem um consumo problemático ou mesmo implicações fisiológicas desse consumo deverão repensar o uso.
Diretrizes para auxiliar o dependente
Existem diretrizes para auxiliar o dependente de cafeína a reduzir ou mesmo a cessar de vez o uso de qualquer produto contendo esta substância. Abaixo, exemplifico algumas propostas:
a) Automonitoramento: o consumo de café deve ser monitorado e o indivíduo deve reduzir paulatinamente a quantidade de xícaras por dia. Isso exige disciplina e atenção;
b) Fazer um cálculo aproximado da quantidade de cafeína consumida por dia. Considerando uma “dose segura” de até 400 mg ao dia para um adulto com mais de 70 Kg, devemos evitar ultrapassar este limite;
c) Evitar comportamentos associados ao consumo de café, como é o caso de fumar cigarros;
d) Empregar técnicas de modificação do estilo de vida: atividades físicas, retardo para consumir a próxima dose de café, redução do estresse diário.
Dificilmente na prática clínica diária surge alguém procurando auxílio médico para cessar o consumo de cafeína. Isso porque muitos não acreditam que beber café, por exemplo, possa deixar de ser um ato prazeroso para se tornar um hábito nocivo. O exagero é a mãe do problema.
Tendo em vista a sua pergunta, percebe-se a sua preocupação com o consumo de café. Se você estiver apresentando algum dos problemas acima notados, tente disciplinar-se para reduzir a quantidade de forma paulatina.
Boa sorte!