por Roberto Santos
O QI (Quociente Intelectual) ou a popularmente conhecida Inteligência, junto com a capacidade técnica dos profissionais, já teve seus dias de glória, como a mercadoria mais procurada pelas empresas. Dos anos 90 para cá, a outra inteligência – a emocional – ou sua medida: Quociente Emocional passou a dominar as entrevistas e avaliações de candidatos a processos seletivos e os assessments internos para decisões sobre sucessão gerencial, dentre outras.
O “cabeção” do tipo do Sheldon do seriado Big-Bang Theory que pode brilhar no meio acadêmico, cercado de prima-donas similares, começou a perder espaço no mundo corporativo, especialmente para ocupar posições de liderança.
Como preconizado no livro de Peter Cairo, David Dotlich e Stephen Rhinesmith, “Head, Heart and Guts”, o mundo corporativo busca e paga o peso em ouro de “Líderes Integrais” – que combinam a inteligência “cerebral” para estabelecer o propósito e visão para sua organização, a inteligência emocional, do Coração, para poder gerir as emoções próprias e dos outros e a capacidade de agir com senso de urgência e coragem, balizado por valores éticos. Os líderes “parciais” já não conseguem responder à altura às demandas de uma era cheia de paradoxos, complexidade, volatilidade e imprevisibilidade como a que vivemos nos dias de hoje.
Se compararmos apenas as habilidades cognitivas com as competências emocionais, as pesquisas indicam que apenas 1/3 das diferenças entre o desempenho mediano e a alta performance é explicada pela habilidade cognitiva ou inteligência. Quando falamos em desempenho de liderança então, cerca de 4/5 do diferencial de um líder de alta performance, em relação a seus colegas medianos, depende de suas competências emocionais.
Quais são as vantagens de termos pessoas com alto quociente emocional?
São pessoas que conseguem perceber rapidamente o que os outros estão sentindo e entender por que estão agindo de certa maneira, para poder ajustar seu próprio comportamento. São pessoas que raramente vemos de mau-humor – com quem é bom se relacionar. São pessoas que mantêm a calma em situações de pressão e estresse quando outras pessoas estão se descabelando. São pessoas emocionalmente resilientes, ou seja, que se mantêm otimistas e entusiasmadas mesmo quando encontram obstáculos. Quem não gosta de conviver com pessoas assim?
Mas se nem todo mundo é emocionalmente competente, onde é que “pecam” os profissionais inteligentes por serem “ignorantes emocionais”? Se explorarmos os sete pecados capitais, talvez encontremos alguns paralelos interessantes.
Nossa competência emocional depende de como fazemos três coisas: como é nosso “radar emocional” para percebermos as nossas emoções e as dos outros, o quão bem controlamos nossas emoções e influenciamos as dos outros e o quanto somos capazes de compartilhar as emoções.
Primeiro pecado: ‘o vaidoso que se tem certeza’
Um dos pecados capitais mais presentes nos dias “selfie” de hoje é a Vaidade que se associa à arrogância, soberba ou narcisismo – é fruto de um orgulho e autoconfiança excessivos, muitas vezes não acompanhados de uma competência proporcional. E o que falta ao nosso vaidoso das mídias sociais e das rodas profissionais – o autoconhecimento – é uma das competências que se destacam em pesquisas sobre altos-potenciais tão caçados no mercado de trabalho.
A capacidade de reconhecerem seus pontos fortes e vulnerabilidades, de saberem a impressão que estão causando nos outros, saberem a hora de falar e a hora de ficar calado é reflexo dessa que pode ser a causa raiz do sucesso ou fracasso da competência emocional. Quando a pessoa não se desloca do seu maravilhoso mundo do “eu sou o máximo”, ou seja, quando não lhe cai a ficha (atualizando ao mundo digital de hoje: quando ele não passa o cartão…) ele poderá descobrir que não apenas de pecados vãos vivem os profissionais de sucesso.
Tive uma experiência com um executivo de vendas com as melhores credenciais do mercado que, recém-ingresso na empresa onde eu chefiei a área de RH, rapidamente foi sendo alvo de comentários, inicialmente cautelosos de colegas – tudo ele sabia, tudo já tinha feito e melhor. Se alguém comentava sobre um passeio em um barco de pesca no rio Paraná, ele sacava seu último cruzeiro pelo Caribe, se alguém comentava sobre o atingimento de uma meta importante, ele disparava o prêmio internacional pelo recorde de vendas, além de vangloriar-se de tudo de maravilhoso que havia na empresa anterior, e assim por diante.
Logo, em reuniões de vendas, as pessoas começavam a desviar e fugir do novato, alguns com boa vontade ainda tentavam ajudar em sua integração. Em pouco mais dos 90 dias de experiência, a situação foi ficando insustentável e assim, o VP da área de vendas e eu, chamamos nosso astro para um bate-papo. Não precisou muito para, depois de ouvir os relatos como os exemplificados acima, nosso personagem disparou: “Então, quer dizer que eu sou um chato!?” ao que não pudemos negar. Aliás, um “insight” desse porte merecia celebração. Felizmente, comemoramos também a conversão do nosso pecador da vaidade que teve anos subsequentes de muito sucesso.
Infelizmente, porém, esse final feliz não acontece a todos os pecadores. Enquanto os resultados da empresa, que ajuda a conquistar, se sustentam, sua vaidade, soberba e arrogância são toleradas, mas mesmo sem sua culpa, quando os planos já não se realizam, a incômoda vaidade aparece no cenário e já não se quer conviver com o narciso.
O antídoto para este pecado capital, desde suas origens religiosas, é a virtude da humildade e o ingrediente essencial para sua fórmula, o autoconhecimento ou a autopercepção — sabermos reconhecer em nós mesmos nossas limitações, buscando e recebendo positivamente os “feedbacks” sobre o impacto que estamos causando e acreditarmos honestamente que sempre temos oportunidade de sermos melhores em todos aspectos.
Radar social
Outro ingrediente da fórmula da inteligência emocional no campo da percepção é o “radar social”. A pessoa de alta inteligência emocional parece conseguir ler bem as pessoas, observa as dicas verbais e as não verbais (como expressões faciais, gestos e posturas) e tem sensibilidade para perceber suas intenções, quando precisam de ajuda, permitindo que aja de forma coerente e inteligente.
Para que funcione conforme a bula, a heteropercepção ou seja, a sensibilidade para perceber o outro depende, primeiro, de eu tirar o foco sobre mim mesmo. Se ficamos focados demais não apenas naquela grandeza vaidosa como também nas dúvidas pessoais e autocríticas ferrenhas, vai ser muito difícil, me conectar com o outro. Novamente, a humildade é crucial para desligarmos (um pouquinho) nosso ego para conhecer as outras pessoas. A humildade nos permite reconhecer nossas limitações, apreciar e reconhecer as contribuições dos outros e, muito importante, aprender com eles.
Segundo pecado – TPM: temperado para matar
O segundo pecado capital que ilustra a ignorância emocional que permeia nas carreiras e vidas de muitas pessoas é a Ira, também conhecida como a cólera, raiz da maioria de conflitos humanos em pequena e larga escala. O controle das emoções – as nossas e as dos outros – é a segunda competência emocional que temos que cuidar.
Demonstramos esta competência pela forma como regulamos ou gerimos nossas emoções. Muitas pessoas, em seus melhores dias, são conhecidas como expressivas, empolgadas e apaixonadas por seus projetos e as pessoas de seu círculo de relacionamento. Dificilmente, passam despercebidas no ambiente de trabalho – são intensas e com a energia vibrando à flor da pele. Porém, quando seu “termostato emocional” entra em curto-circuito, aquela energia deixa de ser um combustível para seus projetos e se explode em lavas destrutivas – sai de perto! Da noite para o dia, ou de uma hora para outra, ele/a reage de forma destemperada, se enfurece por motivos considerados pequenos para outras pessoas, perde o entusiasmo e se puder larga mão do que era a grande paixão de sua vida – pessoas ou projetos.
Todos nós já tivemos a experiência nada agradável de conviver, ou pelo menos presenciar o “TPM” em ação. Se ele ou ela tiver a primeira competência emocional de se conhecer e perceber as reações dos outros, conseguirão saber a hora que seu estopim está queimando perto da bomba e perceberão os sinais exteriores, como o cuidado com que as pessoas chegam perto para lhe dar más notícias ou consultam o “radar meteorológico” de seus vizinhos para saber se podem se aproximar. Porém, mesmo aquelas pessoas que têm conhecimento de sua emocionalidade e do estrago que provocam quando estouram, relatam que quando veem, sua mão já está se dirigindo a uma sonora cacetada sobre a mesa e uma descarga elétrica verbal matadora.
A instabilidade que caracteriza esta (in)competência emocional é o que provoca os maiores problemas – um dia, está ótimo, alegre e contando piadas e em outro, como numa mudança de fase da lua, surge o “lobisomem/mulher da meia noite“. Talvez seja esta a deficiência comportamental que mais aparece em rodinhas de fofocas, feedbacks da avaliação do fim do ano ou de encomendas de coaching já como último recurso.
O outro lado do controle das emoções é como conseguimos controlar, ou melhor, influenciar as emoções das outras pessoas. Aqui estamos falando daquela pessoa que aplica tudo que obteve com seu “radar social” da primeira competência para conseguir criar uma boa primeira impressão em seu interlocutor, lembrando daquele Princípio Danuza Leão que teria dito: “Nunca se tem uma segunda chance de causar uma boa primeira impressão”. Os emocionalmente competentes são reconhecidos por suas habilidades sociais para apaziguar clientes bravos, para encorajar e instilar confiança naqueles que estão passando por uma fase difícil. Como resultado, é alguém que se gosta de estar por perto.
Um executivo famoso, em um momento de vaidade intensa, descreveu-me certa vez, sua capacidade para influência melodramática de levar sua audiência da gargalhada às lágrimas emocionadas. No entanto, essa competência emocional não é privilégio de atores e atrizes que desenvolvem um dom natural para poder viver disso. Cada um de nós, pode desenvolver esta capacidade de influência positiva sobre os outros que reflete sobre nossa reputação. Entretanto, como tudo na vida, usada para o mal, o outro lado da inteligência emocional, seu lado sombra, coloca-a a serviço da dissimulação de certas emoções e falsificação de outras para moldar uma impressão falsa sobre si mesmo. As pessoas ardilosas que se rejubilam quando testam os limites e são bem-sucedidas em driblar objeções por meio de uma ética “flexível”, certamente, possuem essa habilidade de influência manipuladora. Mas, aqui entramos no terreno dos valores que encontramos em um plano complementar ao das competências emocionais.
Três pecados: gula, avareza, inveja – eu sou mais eu
Outros três pecados capitais podem ser associados à terceira competência emocional do compartilhamento de nossas emoções – a Gula, Avareza e Inveja com as quais convivemos diariamente, principalmente em nossos dias narcisistas das mídias sociais e “myselfies”, tem como base aquelas expressões: “afinal, se eu não cuidar de mim, quem vai cuidar?” O discurso altruísta de voluntários de ONGs de fim de semana para colocar aquela foto no Egobook muitas vezes fica apenas nas palavras, pois o egoísmo e a cobiça ainda predominam em muitas esferas profissionais, acadêmicas e principalmente políticas.
No campo da competência emocional, cometemos aqueles pecados quando não somos generosos com a expressão de nossas emoções. Os inteligentes emocionais compartilham suas emoções por meio de uma postura positiva e genuína com as outras pessoas, tolerantes em relação a pequenas falhas, são otimistas e desprendidos de desconfianças precoces que lhes impeçam de revelar seus sentimentos, contribuindo para um aumento significativo da confiança que consegue inspirar nelas. A capacidade de fazer a “cara de pôquer” para poder ser bem-sucedido nos blefes do jogo pode ser valiosa no pano verde dos cassinos, mas nas relações interpessoais de nossa vida, as agendas ocultas levam apenas ao distanciamento e a conflitos perniciosos para o ambiente de trabalho e fora dele também.
Ser “econômico” na expressão das emoções podem ser pecadinhos de gula ou avareza, mas a última, mas não menos importante competência emocional, — a Empatia ou a falta dela, com certeza poderia levar muitos de nós ao confessionário de nossas consciências. Ser empático é demonstrar uma preocupação verdadeira em relação aos sentimentos e direitos dos outros, é demonstrar sensibilidade em relação às necessidades dos outros, é colocar-se nos sapatos ou com os óculos do outro para enxergar o mundo por suas lentes para podermos nos conectar e comunicar. Quando nossa gula pela atenção egoísta e a avareza do nosso tempo e atenção fazem com que nem nos dediquemos a escutá-lo de forma ativa, abrimos as portas para debates intermináveis e conflitos que levam à perda de ambos os lados.
E a preguiça e a luxúria?
Os escolados nos 7 Pecados Capitais podem estar imaginando porque foram esquecidos a Preguiça e a Luxúria. Não foi nem por preguiça e nem pela censura ao segundo. A busca de viver dominado pelo prazer e paixões que definem a luxúria se espelha também na soberba e superioridade em relação aos demais, mas com uma conotação um tanto sexual de amor próprio, beirando o doentio.
E a Preguiça… a deliciosa preguiça dos fins de semana sem nada para fazer não é apenas isso, mas falta de empenho, negligência, desleixo, inatividade com relação ao que podemos e temos que fazer como desenvolver nossas competências emocionais.
E a Inteligência Emocional pode ser desenvolvida?
Desenvolva a inteligência emocional em três passos:
1º) Primeiramente, temos que reconhecer que precisamos desenvolvê-la e em que aspectos.
2º) Depois, precisamos saber ou aprender como fazê-lo com alguém que vemos como um modelo em QE.
3º) Por último, e mais importante, precisamos querer e não ter preguiça de quebrar padrões e paradigmas de velhos preconceitos e percepções, para assim podermos mudar disciplinada e gradualmente nossos comportamentos. Dessa forma, temos uma oportunidade de conseguirmos uma reputação de pessoas emocionalmente competentes, deixando para trás a “burrice emocional”.