Sidarta e a arte de viver em meio ao caos

“Jejuar, esperar e pensar”

Eram essas as três habilidades de Sidarta, no livro de Hermann Hesse. Para alguns, eram habilidades inúteis, mas com o passar do tempo as pessoas que o conheceram perceberam que era a essência para viver e sobreviver a qualquer situação.

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Nesse mundo onde a matéria e a persona são mais valorizadas do que a alma, sentir o silêncio e aquietar-se diante do caos é um aprendizado importante.

Atualmente, o mundo está passando por uma transição. Vemos a guerra eminente, a pandemia, o medo, o marketing de influenciadores ditando o que é essencial para a nossa vida. Os seres humanos estão trabalhando para sobreviver a um mundo doente…

Eis que surge os ensinamentos de Sidarta. Um homem como outro qualquer, que tinha uma família como outra qualquer… que tinha um amigo fiel, e este, seguiu um caminho diferente do dele. Nota-se o respeito à individuação do outro, tão difícil num mundo que prega a robotização da massa.

Sidarta decide viver… não quer seguir mestres. Quer tentar sentir em seus poros a dor de amar, de trabalhar, de lidar com outros seres diferentes dele. Quer ser humano antes de tentar apenas ler sobre a iluminação. Pois sabemos que a sabedoria não vem do intelecto, vem da vivência, da entrega, da coragem de viver cada momento da nossa vida. Os livros nos inspiram, mas de nada adiantam se você não consegue viver o que tem que ser vivido. Encontramos a verdadeira luz quando temos coragem de enfrentar as trevas…

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Sidarta ouviu o coração do pássaro sagrado. Libertou-se da gaiola em que ele mesmo se aprisionou. Sentiu a morte no sono profundo. Renasceu nos braços do amigo. Encontrou um barqueiro que o ensinou a arte de navegar. Respeitou a travessia de cada pessoa…

Ao longo do tempo aprendeu a ouvir o rio… percebeu que dele vinha muitas vozes. Eram as vozes de todas as criaturas… compartilhou a descoberta com seu mestre barqueiro, e este se aproxima do ouvido de Sidarta e entoa o mantra Om… o mantra da criação, o mantra do todo existencial. “A voz do rio era a voz da vida, a voz do que é, a voz do eterno Devir…”

Quanta sabedoria nesse livro. Ele nos ensina que somos um só… que todas os seres bons e maus estão dentro da gente, que todas as partes do rio estão conectadas com a nossa existência…

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A percepção desse momento sagrado é o maior aprendizado que temos na vida. A jornada individual, enfim, encontra um sentido maior em nossa existência. Sentimos genuinamente o amor incondicional, aquele amor que não é o eu, nem o tu, mas o “nós”…

“Jejuar, esperar e pensar”… no final Sidarta acrescentou mais uma habilidade: amar. Se houver amor, não haverá guerra, nem dentro nem fora de nós.

Hesse, Hermann. Sidarta. 66 ed. Rio de Janeiro: Editora Record, 2020.

Psicóloga graduada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, com especialização em Saúde Mental e Qualidade de Vida pela Unifesp-EPM, e Mestrado em Ciências da Saúde pela Unifesp-EPM. Atua na área clínica com a abordagem junguiana, e como pesquisadora colaboradora no Laboratório de Estudos da Personalidade do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IP/USP). Mais informações: www.psicoterapiajunguiana.com.br