Somos o último bombom da caixinha?

Entenda a atitude arrogante e ignorante de se ver como aquele bombom delicioso que resta na caixinha, se julgando o último degrau do progresso. E o que isso tem a ver com o abandono, o silêncio e a informação que deveria ser transmitida aos jovens?

Nada me parece mais assustador do que fazer comparações entre o nosso estilo de vida atual e outros mais antigos. Possuímos explicita ou implicitamente a noção de que somos o último bombom da caixinha de doces. Quer dizer, em geral, nos julgamos superiores, já que somos os últimos. De certa forma, gozamos daquela posição privilegiada fornecida pela noção histórica de progresso: já que chegamos depois, somos melhores que todos os outros ultrapassados.

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Na verdade, o Ocidente desenvolveu uma mania pela novidade, como se somente se pudesse viver criando coisas novas, evitando a repetição, acelerando o tempo. Isso é muito conveniente quando você ainda está em condições de criar coisas novas. Fora isso, caímos todos no limbo e no vazio de significado. Quem não pode contribuir para o movimento de fazer avançar o mundo em direção a coisas novas, simplesmente não possui mais qualquer função válida.

Uma pessoa que já não possui as características necessárias para ser criativo perde totalmente a razão de ser em um mundo volátil e que solicita as novidades todos os dias. Não é ocasional que os velhos tenham se convertido em um problema cada vez maior nas sociedades ocidentais. Na verdade, o problema com eles não é o seu número elevado, mas a falta de sentido que acomete uma faixa etária inteira da população. Se trata simplesmente de que os velhos não possuem qualquer função social digna dentro da sociedade que criamos.

Não somos aquele bombom delicioso que resta

Quando comparamos essa situação com qualquer outra, típica de sociedades antigas, vemos que, afinal, não somos aquele bombom delicioso que resta. Em quase todas elas os velhos possuem um papel social relevante, em geral ligado à posse de alguma forma de sabedoria. Era importante que eles a transmitissem às gerações futuras, garantindo que essa sabedoria não se perdesse. Assim, eles tinham uma função social.

Você pode estar pensando que escrevo em defesa de minha própria faixa de idade ou, quem sabe, de uma fatia da população da qual farei parte em seguida. Ou seja, deve estar se perguntando se isso não é somente despeito por estar me tornando velho. Como não sou mais jovem, vou alterar a direção desse texto para essa faixa etária para evitar essas suspeitas.

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Em quase todas as sociedades antigas, a iniciação sexual dos jovens era deixado a cargo das pessoas mais experientes. Também se permitia que desde tenra idade se desenvolvessem jogos sexuais, como se se tratasse de um casamento infantil em que as crianças desenvolviam habilidades de convívio social uns com os outros.

Seja como for, observe que os jovens eram preparados para a vida sexual e conjugal. Quando chegava a hora de estabelecer uma relação adulta de fato, todos já possuíam algum tipo de conhecimento sobre o que viria dali, o que cada um esperava de uma relação (mais ou menos) estável, o que se podia e o que não se devia fazer etc. Essas estratégias, embora diferentes, visavam fornecer aos jovens um conjunto de elementos que lhes permitiam ajustar gradualmente seus comportamentos de modo a obterem uma relação saudável – dentro dos parâmetros variáveis de cada uma dessas culturas.

O abandono, o silêncio e a desinformação

Vida sexual e conjugal: o silêncio recobre a superfície das coisas

E nós, que nos julgamos o último degrau do progresso, o que fazemos com os nossos jovens para ensinar-lhes algo de útil para sua vida sexual e conjugal futura? Absolutamente nada. Ou melhor, talvez nada fosse melhor que os danos que causamos com o silêncio e a desinformação. Porque o silêncio recobre a superfície das coisas com um véu de segredo e expectativa que a vida prática terá que destruir antes de qualquer coisa. O abandono, a falta de informação e a ignorância são os responsáveis pela verdadeira doença crônica sexual em que nossas sociedades se converteram. Nelas tudo possui conotações sexuais, porque se tentou expurgar a sexualidade de nossas vidas.

O que nós temos feito com a vida sexual dos nossos jovens deveria ser um sinal muito claro de que não temos uma chave mágica para a felicidade, de que não somos tão melhores como nos julgamos, de que há mais coisas na caixinha. Deveríamos começar a atentar para o fato de que há experiências humanas disponíveis que podemos utilizar para nos tornarmos melhores. Não é bonito que uma sociedade que se intitula do conhecimento se norteie pela ignorância e pela arrogância.

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Ronie Alexsandro Teles da Silveira é professor de filosofia e trabalha na Universidade Federal do Sul da Bahia. Mais informações: https://roniefilosofia.wixsite.com/ronie