por Antônio Carlos Amador
“O casamento comum, normal, médio é um relacionamento inerentemente carregado de conflito e de tensão…”
Quase todos nós somos capazes de aceitar que os amigos não são perfeitos. Toleramos suas imperfeições com um certo orgulho de nosso senso de realidade. Quando se trata do amor, porém, nos apegamos às ilusões, visões de como as coisas deveriam ser. Nesse caso precisamos aprender a desistir de todos os tipos de expectativas que alimentamos desde a adolescência, quando nos apaixonamos por alguém que representava para nós a realização perfeita de todos os desejos humanos. A pessoa amada era idealizada, superestimada.
No entanto, é preciso lembrar que nem mesmo o relacionamento amoroso mais profundo pode evitar a ambivalência. Nem mesmo no casamento mais feliz podemos evitar uma certa porção de sentimentos hostis. Sentimentos de ódio.
O amor e o ódio, a atração e a repulsão, o afeto e a aversão não podem ser separados completamente. Ocorre que nós não fomos educados para esse aspecto da vida amorosa, apesar de vivermos todos os nossos relacionamentos, mesmo os mais ricos e felizes, sob o signo da ambivalência, que pode constituir-se muitas vezes em fonte de variadas possibilidades de crescimento e troca existencial recíproca.
Quando nos apaixonamos procuramos inconscientemente afastar qualquer imagem que possa perturbar o estado ideal dessa paixão. Essa negação dos aspectos que nos perturbam ou aborrecem contribui posteriormente para acentuar as dificuldades da relação e corroê-la em sua própria base, pois o fato de estarmos cegos e nos recusarmos a enxergar o que nos desagrada nos conduz, com o passar do tempo, a uma situação de envolvimento autodestrutivo.
Quando casamos levamos para o casamento nossos próprios problemas e limitações. E existe uma grande probabilidade de que as dificuldades pessoais se multipliquem, em vez de desaparecerem ou de se desvanecerem sob a luz que emana da nova felicidade alcançada. Isso ocorre porque, no casal, cada um tem a própria carga de problemas somada à do companheiro, resultando uma soma de dificuldades.
O elo matrimonial suporta na maioria das vezes uma tensão quotidiana de insultos e transgressões, aos quais nenhum outro relacionamento humano poderia ser exposto sem ser lesado. Mesmo uma pessoa sem nenhuma hostilidade, agressão ou intenção de ferir, pode apenas através da expressão da sua existência, ser prejudicial para outra.
Às vezes, o elo entre marido e mulher é resistente, mais forte do que qualquer dano que possam causar. Mas também é verdade é que nenhum casal de adultos consegue provocar mais dano um ao outro do que marido e mulher.
A expectativa da felicidade perfeita e duradoura encontra-se mais profundamente arraigada naqueles que não foram capazes de viver uma vida plena fora do casamento. Ela persiste mesmo quando o indivíduo se dá conta de jamais ter encontrado alguém em tal estado de felicidade permanente. Esse estado existe, alimentando uma ilusão, em alguns romances, filmes e novelas, mas ninguém pode afirmar que conhece a pessoa que possui a fórmula da felicidade. Essa felicidade, aliás, transformou-se hoje numa modalidade social, que nos é proposta e imposta sem descanso das mais variadas formas. Fixarmos para nós mesmos o objetivo de sermos felizes a qualquer custo é um paradoxo que colide com toda e qualquer consideração sensata da realidade. Aspirar à felicidade pode significar dar corpo a um impulso vital e positivo, mas pensar que se pode alcançá-la de maneira permanente é uma coisa completamente diferente.
Quando chegamos a um ponto em que o casamento deixa de ser uma fonte contínua de pleno prazer e satisfação imediata de nossas próprias exigências, quando aparecem, inesperados, os primeiros obstáculos, nos vemos desiludidos. Se a união estiver fundamentada em fatores externos, sem a mínima coesão interna, ela terá consideráveis dificuldades em sobreviver. Outras pessoas, ao contrário, intensamente apaixonadas, ansiosas por viver uma união mais completa, mas temerosas de ver mudar seu estado de paixão ideal, desejosas de compartilhar até a menor das experiências, acabam ficando o tempo todo juntas. A liberdade interior, necessária a qualquer equilíbrio pessoal, começa a sofrer com isso. Surgem os primeiros rancores e as primeiras inquietações.
De qualquer maneira, quando percebemos as mudanças que ocorreram e as situações absurdas que se criaram, a separação torna-se muitas vezes inevitável. Muitas vezes, na primeira crise, o casal pensa imediatamente em separar-se.
O casamento comum, normal, médio é um relacionamento inerentemente carregado de conflito e de tensão, cujo sucesso exige um esforço para buscar “um perfeito equilíbrio entre amor e ódio”.