Trabalho com ouro e prata líquida para porcelana e tíner

Trabalhar com metais pesados, como prata e ouro, utilizando tíner, pode ser muito prejudicial à saúde. Veja os cuidados necessários.

Resposta: A sua pergunta remete a uma substância volátil (Tíner ou Thinner) e a dois metais pesados (prata e outro). Como são grupos diferentes de produtos, comentarei separadamente sobre cada um.

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Tíner ou Thinner

Tíner (Thinner) é um solvente usado para tintas e vernizes, frequentemente empregado nas indústrias e funilarias, tendo o tolueno como um dos seus principais componentes ativos. O tolueno é um hidrocarboneto alifático que pode, infelizmente, também ser utilizado para fins recreativos, provocando quadros de abuso e de síndrome de dependência.

Basicamente, existem três principais formas de exposição aos hidrocarbonetos voláteis:

a) profissionais que trabalham utilizando tais produtos;

b) pessoas (especialmente adolescentes e adultos jovens) que fazem uso recreativo, com a intenção de atingir estados de euforia ou desinibição;

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c) crianças que inalam/ingerem acidentalmente os hidrocarbonetos voláteis.

De acordo com a sua pergunta, você se refere ao uso ocupacional do thinner. Tratando-se de substância tóxica, vários cuidados devem ser tomados. As consequências da exposição ocupacional podem ser preocupantes de tal forma que medidas de proteção sempre devem ser observadas.

Exposição aguda

Clinicamente, nos casos de exposição aguda, o quadro de intoxicação tem início rápido; a recuperação dos efeitos agudos também costuma ser rápida. Sensações de euforia, desinibição comportamental e taquicardia podem ser seguidas por náuseas, vômitos e confusão mental. A exposição por longos períodos às substâncias desse tipo pode induzir neuropatia periférica (formigamento dos membros inferiores ou mesmo superiores), arritmias cardíacas (por vezes, fatais), danos aos rins, fígado, olhos, pulmões e funcionamento cerebral (prejuízos da memória, atenção e inteligência global).

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Use luvas e máscaras protetoras específicas

Sempre quando alguém manipula solventes voláteis durante atividades ocupacionais/profissionais, deve estar alerta para as possíveis consequências nocivas da inalação dos mesmos e do contato da pele com tais substâncias.

Luvas e máscaras protetoras específicas para o manuseio profissional/ocupacional devem fazer parte do arsenal de medidas protetivas individual.

De uma forma geral, os hidrocarbonetos voláteis (inalados) são absorvidos principalmente pelos pulmões, chegando rapidamente ao cérebro. Como o cérebro é fortemente composto por lipídios (gorduras), os solventes encontram um terreno fértil para atuar. Tais substâncias provocam alterações em diversos sistemas depressores e excitatórios cerebrais (sistemas gabaérgicos e glutamatérgicos, respectivamente), bem como atuam nos sistemas neuronais relacionados com a recompensa (sistema dopaminérgico).

Outrossim, uma miríade de ações sobre outros sistemas de neurotransmissores e sobre a estrutura cerebral tem sido vislumbrada entre usuários de hidrocarbonetos voláteis.

A inalação dos hidrocarbonetos voláteis altera de forma rápida o funcionamento dos chamados canais de sódio e potássio cardíacos, promovendo diferentes formas de arritmias, inclusive fatais. Dito isso, a exposição continuada ou crônica prejudica de forma incisiva a atividade elétrica cardíaca, bem como pode causar alterações estruturais. Amostras de tecidos cardíacos obtidos de usuários recorrentes de hidrocarbonetos voláteis têm mostrado edema (inchaço) de parte do coração, áreas de necrose, de fibrose e ruptura de fibras musculares.

Inalação pode levar à morte súbita   

A morte súbita decorrente da inalação destas substâncias pode ocorrer; entretanto, o uso continuado pode provocar alterações cardíacas e cerebrais persistentes. De qualquer forma, um estudo realizado com mulheres expostas acidentalmente, durante três dias, à inalação de hidrocarbonetos voláteis, mostrou que as mesmas, três anos depois, ainda demonstravam déficits na memória e no raciocínio.

É importante notar que mesmo a inalação por tempo curto pode “sensibilizar” o funcionamento cardíaco à ação de substâncias endógenas (as catecolaminas), provocando arritmias (especialmente taquicardia ventricular e fibrilação atrial). Episódios de infarto do miocárdio, devido ao vaso-espasmo (contração das artérias do coração), têm também sido vistos entre usuários de curto período.

Outrossim, o uso agudo dessas substâncias pode provocar reações inflamatórias nos pulmões, redução da capacidade ventilatória e, mais raramente, episódios de hemorragia.

Falta de proteção correta e adequada traz consequências negativas

Você relata exposição ocupacional a hidrocarboneto alifático volátil (thinner). Como escrito acima, no caso de falta de proteção correta e adequada, consequências negativas para os diferentes sistemas orgânicos podem ocorrer.

Se você trabalha em uma empresa cujos funcionários manuseiam thinner, os profissionais ligados à saúde e segurança do trabalhador sempre devem estar alerta e ser acionados em situações de exposição. Se você trabalha sozinho, utilize máscaras de proteção, luvas, trabalhe sempre em locais arejados e faça exames médicos rotineiros.

Metais pesados

Com relação aos metais pesados citados – prata e ouro, podemos afirmar que o seu acúmulo nos tecidos corporais traz consequências indesejáveis, com sintomas agudos e crônicos.

Certamente, tais sintomas variam de acordo com o tipo de metal pesado utilizado. Muitos metais pesados, tais como o zinco, o cobre, o cromo e o manganês, são essenciais para o adequado funcionamento físico, mas em concentrações muito baixas. Assim, se as concentrações de metais pesados tornam-se maiores do que o tolerável, danos teciduais tendem a ocorrer.

Os metais pesados mais comumente vistos na prática clínica como intoxicantes são o mercúrio, o arsênio, o cádmio e o chumbo; muitas vezes provenientes da exposição à água, alimentos, medicamentos, plantas contaminados.

Prata líquida

Quanto à prata líquida, também existem problemas à saúde decorrentes da exposição ocupacional, notavelmente quando o trabalho é realizado fora dos padrões de segurança. A prata líquida não é uma substância dita “psicoativa” que induza quadros de abuso ou de síndrome de dependência. Dessa forma, os problemas decorrentes do manuseio da prata líquida usualmente ocorrem entre aqueles que trabalham com ela; todavia, casos de intoxicação acidental têm também sido descritos.

A ampla variedade do manuseio da prata favorece a sua entrada no corpo humano através de vias diferentes: oral, inalação do pó (quando se manuseia a prata bruta), inalação de vapores (quando a prata é derretida) e pele. A prata líquida é mais facilmente absorvida pelo corpo.

Prata liquida: consequências da absorção

Quando a absorção ocorre, o indivíduo exposto pode agudamente apresentar os seguintes sintomas:

a) redução da pressão arterial;

b) dos de estômago;

c) respiração curta;

d) tontura.

No caso de exposição crônica, o trabalhador pode apresentar danos hepáticos, renais, oftalmológicos e ao sistema cardiovascular.

Um quadro clínico conhecido como Argirismo pode ocorrer, o qual é caracterizado por pigmentação acinzentada da pele, olhos e narizes, além dos efeitos danosos aos órgãos internos. Casos de danos neurológicos, tais como atrofia cerebral global, crises convulsivas e movimentos involuntários anômalos têm sido descritos entre pessoas expostas à prata líquida.

Embora a toxicidade por prata seja incomum, estudos realizados com animais mostram que íons de prata atravessam a chamada “barreira hemato-encefálica”, atingindo o cérebro. Algumas regiões cerebrais têm sido destacadas no acúmulo deste metal, tais como os gânglios da base, cerebelo, globo pálido e nervo trigêmeo.

Ouro líquido

No caso do ouro líquido, as formas de absorção são similares às da prata (embora a via inalatória seja pouco provável), dependendo do estado físico do material usado e das formas de manuseio. Pele seca, irritação ocular, náuseas e vômitos devem ser sinais de alerta de uma exposição aguda. Cronicamente, danos ao fígado, sistema hematopoiético (sangue), rins e olhos podem ocorrer.

Todas as empresas sérias que trabalham com estas substâncias observam regras bastante claras de segurança no trabalho. Uma rápida busca na Internet revela os tipos de materiais necessários para a proteção do trabalhador (luvas, máscaras e roupagens). Se você trabalha sozinho com tais substâncias, deverá usar o mesmo aparato para a sua proteção. Cuide-se!

Atenção!
Esta resposta (texto) não substitui uma consulta ou acompanhamento de um médico psiquiatra e não se caracteriza como sendo um atendimento.

Professor Livre-Docente pelo Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Professor de Psiquiatria do Centro Universitário Faculdade de Medicina do ABC. Pesquisador nas áreas de Dependências Químicas, Transtornos da Sexualidade e Clínica Forense.