por Edson Toledo
“… não existe uma causa comum para o consumo de álcool e drogas…”
Na primeira parte deste artigo (veja aqui) apresentei os sintomas da dependência de álcool. Nesta segunda e última parte explicarei as formas de tratamento.
Afinal, quais são elas?
O tratamento da dependência alcoólica envolve intervenções em vários níveis, já que a doença é bastante complexa, seja na etiologia (causa) ou nas implicações sociais, profissionais e familiares.
A intervenção terapêutica destina-se tanto à dependência quanto à abstinência do álcool, contando com algumas intervenções psicoterapêuticas, sejam elas individuais ou grupais e as intervenções psicofarmacológicas.
É indispensável o acompanhamento psicoterapêutico do alcoolista. Discutir com o doente as causas que levaram ao alcoolismo, estabelecer estratégias e objetivos são essenciais para um tratamento eficaz e para a manutenção da abstinência.
Assim, as psicoterapias são fundamentais na intervenção terapêutica da dependência e abstinência do álcool.
Existem inúmeros métodos de intervenção e, ainda que nenhum consiga comprovar total eficácia, continuam tendo importante papel no acompanhamento da maturação psicológica e na reinserção sociofamiliar dos doentes.
Como o uso do álcool é capaz de produzir consequências físicas, intelectuais, psicológicas e sociais para o dependente, os programas de terapia são multidisciplinares e o tratamento é realizado em longo prazo, com o objetivo de conseguir uma abstinência satisfatória. Vale ressaltar que os tratamentos são voltados tanto para o indivíduo acometido quanto para os familiares.
Embora nos últimos tempos os princípios da terapia comportamental, que buscam levar os indivíduos que bebem em excesso ou de forma abusiva a beber de maneira controlada e socialmente aceita, venham sendo utilizados com algum sucesso, a experiência ainda faz com que a maioria dos especialistas seja cética em acreditar que esse tipo de terapia possa levar alcoólatras a beberem de forma controlada.
Mesmo os tratamentos psicologicamente profundos e de longo prazo obtêm pouco sucesso com os dependentes de álcool. Os programas empregados atualmente são frequentemente conduzidos de modo multidisciplinar e tentam fazer com que o alcoolista mantenha uma abstinência mais prolongada, associada à conquista de um estado de saúde ideal e à diminuição dos danos sociais causados pelo sujeito em seu círculo de convivência.
As medidas são implementadas na forma de programas de curto, médio e longo prazo e são bem-sucedidas, principalmente quando conseguem conduzir os doentes a um acompanhamento ambulatorial contínuo por um profissional e as atividades realizadas em grupos de ajuda mútua (por exemplo, Alcoólicos Anônimos, também conhecidos pela sigla “AA”).
Tratamento de alcoolismo possui duas abordagens:
1- Individual: tentativa de construir uma relação que ajude a fortalecer o ego do alcoolista por meio da oferta de cuidado e atenção sem restrições. Os meios comprovados para isso são o estímulo, o compartilhamento de informações, o alívio das pressões emocionais, a discussão dos problemas, o desenvolvimento de comportamentos positivos, o confronto com reações comportamentais inadequadas, a intervenção direta para mudar a situação real e o estabelecimento de limites e barreiras;
2- Grupal: participação em grupos de ajuda mútua, com pessoas com interesses em comum ou de indivíduos igualmente acometidos. Os comportamentos problemáticos provocam reações nos demais integrantes do grupo e tornam possíveis novas experiências e alterações no comportamento e na maneira como as situações são vivenciadas. O grupo oferece amparo emocional e aceitação; assim, os medos, as desconfianças, as agressões e as frustrações podem ser assimilados, possibilitando que o indivíduo lide de modo mais positivo com a realidade e suas exigências; ganhe autoconfiança e compreensão com os outros e se torne mais tolerante com os fracassos e as decepções.
Contribuições científicas e causas do alcoolismo
As contribuições científicas para o entendimento das causas do alcoolismo podem ser classificadas em quatro modelos:
1. Modelo psicanalítico: enxerga no consumo de drogas, especialmente na embriaguez, um momento de regressão baseado em uma estrutura pré-mórbida de personalidade, o que, por sua vez, remete a um distúrbio anterior na relação mãe e filho. Nesse âmbito teórico, termos como orgasmo farmacogênico, fetiche substituto para o seio materno, canibalismo, narcisismo e **coprofagia (ingestão de fezes) são importantes para a explicação do fenômeno;
2. Modelo psicopedagógico: vê no consumo de cada tipo de droga um comportamento adquirido nas interações sociais, reforçado por normas da sociedade ou da cultura. Experiências positivas com a substância no estágio inicial da pendência também podem reforçá-la. A esse âmbito teórico pertencem termos como: modelo de aprendizagem, ambiente terapêutico, pressão social, autocontrole e capacidade de adiamento da satisfação;
3. Modelo sociológico ou de teoria da socialização: vê no consumo de drogas, entre outras coisas, a expressão de uma determinada situação social ou de um determinado ambiente familiar. A isso se somam fatores condicionais, como mudanças culturais e sociais. A esse âmbito teórico pertencem termos como: criação repressiva/permissiva, status socioeconômico, mundo da ordem estabelecida, consumo insaciável e anonimato;
4. Modelo multifatorial: enxerga o consumo de drogas como o efeito simultâneo de muitos fatores que interagem mutuamente. Esse modelo remonta os esforços de definição da OMS, mas foi adaptado na literatura técnica europeia. As características individuais que levam ao desenvolvimento da dependência de drogas são resumidas, nesse âmbito teórico, em drogas, personalidade do consumidor de drogas e sociedade (ou círculo social).
Por motivos bastante compreensíveis, o modelo multifatorial se mostrou o mais útil para o trabalho na prática, pois não existe uma causa comum para o consumo de álcool e drogas, assim como não há um único tipo de consumidor. O que se encontra na história de vida do alcoolista e dos dependentes de outras drogas são múltiplos fatores que se somam, formando uma rede de condições, cuja única consequência ou solução possível encontra-se nos ***comportamentos aditivos. Entre essas redes de condições encontram-se, por exemplo, a história de vida e o ambiente social do consumidor: esses fatores indicam qual droga o consumidor irá utilizar. Essa escolha depende muito mais de ofertas e de encontros fortuitos.
Tratamento farmacológico
Durante vários anos, as intervenções farmacológicas ficaram restritas ao tratamento da síndrome de abstinência do álcool e ao uso de drogas aversivas.
Nos últimos anos, a naltrexona e o acamprosato foram propostos como importantes intervenções adjuvantes ao tratamento psicossocial da síndrome de dependência do álcool. Mais recentemente, os medicamentos ondansetron e topiramato surgiram como promissoras estratégias terapêuticas, estando em fase de aprovação.
Há na literatura científica, provas consistentes de que o tratamento da dependência de álcool oferece resultados positivos àqueles que se submetem. Aproximadamente 70% desses pacientes manifestam redução no número de dias em que houve consumo de álcool e melhora dentro de um prazo de seis meses. Ademais, o tratamento oferece melhoras ao funcionamento familiar do alcoolista, à vida conjugal e à saúde mental.
*Magnus Huss (22/10/1807 – 22/04/1890) Médico sueco que inventou a palavra alcoolismo e foi o primeiro a defini-lo como uma doença crónica recidivante. (Alguns riscos relacionados ao consumo de álcool havia sido mencionado anteriormente em palestras de Carl Von Linné no século 18).
**Estabelece todas as ações de promoção, prevenção e proteção à saúde em um território definido e é de responsabilidade do município. Fazem parte da APS o Programa de Saúde da Família, a Vigilância Epidemiológica e a Vigilância Ambiental da Saúde.
*** São hábitos que levam a pessoa a estabelecer um vínculo estreito com algum fato ou objeto.