por Thainan Honorato
A psiquiatria tem alertado que traumas emocionais na primeira infância são fatores de risco importantes para a saúde mental do indivíduo quando adulto.
Pesquisa realizada na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP, pela psicóloga Vanessa Fernandes Fioresi, confirmou essa relação e foi além, ao identificar tipos específicos de traumas da infância que podem se relacionar ao desenvolvimento de transtornos de ansiedade na vida adulta.
Entre os traumas precoces identificados na pesquisa de Vanessa estão as vivências de traumas sexuais invasivos, que são os contatos sexuais que além de abusivos e coercitivos são mais intensos/agressivos, como estupros e toques de genitália em terceiros contra a vontade da vítima; traumas emocionais relacionados a sentimentos de menos valia, quando a pessoa sente-se desvalorizada, que ninguém se importa com ela; ou ainda, traumas gerais relacionados a presenciar violências familiares.
A pesquisa revelou que a personalidade neurótica é comum a todos aqueles com diagnóstico de transtorno de ansiedade social e com transtorno de estresse pós-traumático. “Essas pessoas têm dificuldade em se adaptar ao meio social e podem sofrer mais que o normal com ansiedade, impulsividade, instabilidade emocional, baixa tolerância à frustração e ao enfrentar situações críticas”, diz Vanessa.
No transtorno de ansiedade social, também conhecido como fobia social, a pessoa sente um medo excessivo em agir de modo inadequado durante situações sociais, sobretudo de performance, experimentando medo em ser humilhado ou embaraço, passando a evitar os contatos e/ou situações sociais de exposições específicas consideradas ansiogênicas e/ou vivenciá-las com intenso sofrimento, implicando em prejuízo funcional.
Transtorno de estresse pós-traumático
Já o transtorno de estresse pós-traumático ocorre a partir de um trauma vivenciado por uma pessoa que a impacta trazendo respostas ansiosas e prejuízos funcionais importantes a partir da (re)vivência desse trauma.
Geralmente ocorre a partir da exposição a situações de morte ou ameaça, ferimentos graves ou violência sexual, seja enfrentando-as diretamente ou até mesmo testemunhando-as.
A partir disso, a pessoa passa a ter:
– uma intrusão de pensamentos angustiantes, recorrentes e involuntários;
– vivência de sonhos aflitivos sobre o evento;
– reações dissociativas (flashbacks ou perda da consciência do momento presente);
– evitação de estímulos e/ou dificuldade de recordar aspectos importantes associados ao trauma;
– crenças negativas; perda de interesse em atividades importantes;
– distanciamento social e perda do reconhecimento de emoções positivas.
A pesquisadora conta que, ao manifestar esses transtornos, uma pessoa pode apresentar déficit de discriminação ambiental, ou seja, ter dificuldade de compreender seu meio, seja no social, no familiar, no trabalho, entre outros. “Ela compreende menos, ou de forma errônea, as situações à sua volta”, explica a pesquisadora.
Ainda sobre os portadores de transtornos pós-traumáticos, a pesquisa revelou que eles têm um maior número de vivências traumáticas na infância de cunho geral – presenciaram desastres naturais e situações de violência, assassinatos, por exemplo, em geral de forma abrupta. “Interessante que essas pessoas também apresentaram dificuldades em reconhecer expressões faciais, principalmente as expressões em que as pessoas se mostravam surpresas com algo.”
Naqueles com diagnósticos de transtornos de ansiedade generalizada, Vanessa verificou maior quantidade de traumas emocionais gerais – como percepção de menos valia e, também, de traumas sexuais, em geral os mais invasivos. Quanto às expressões faciais, esse tipo de transtorno ansioso aumenta a capacidade de reconhecimento da emoção nojo. “Possivelmente essas pessoas viveram traumas precoces que se traduziram em ambientes inseguros para elas”, diz a pesquisadora.
Já os diagnosticados com transtorno de ansiedade social não apresentaram diferenças significativas quanto à presença de um determinado trauma emocional infantil ou ao reconhecimento de emoções faciais, apenas personalidade com “traços de neuroticismo”, ou seja pessoas com dificuldade em adaptar-se ao meio social e que podem sofrer mais que o normal com ansiedade, impulsividade, instabilidade emocional, baixa tolerância à frustração e ao enfrentar situações críticas.
A pesquisa
A pesquisadora acompanhou 120 pessoas com idades entre 26 e 42 anos – 30 saudáveis e 90 portadoras de transtorno ansioso – e investigou as possíveis associações entre traumas emocionais precoces identificados, os traços de personalidade e o reconhecimento de expressões faciais de emoção em pessoas adultas com diagnósticos de ansiedade social, ansiedade generalizada e estresse pós-traumático.
Para o reconhecimento facial de emoções, a psicóloga utilizou a técnica chamada Tarefa Refe, atividade em que são apresentados filmes com imagens de atores desconhecidos e de ambos os sexos, expressando seis emoções básicas (alegria, nojo, tristeza, raiva, medo e surpresa). Os indivíduos tiveram que identificar cada uma das emoções.
Segundo a pesquisadora, o trabalho, além da especificidade de identificar tipos de traumas, contou com estatísticas mais refinadas para a análise conjunta das variáveis, o que interessa tanto para orientar práticas clínicas mais eficazes na redução do sofrimento, quanto para as práticas preventivas. No quesito prevenção, Vanessa acredita que as informações obtidas possam estimular estratégias específicas para “reduzir o impacto ou evitar tais fatores de risco, aos quais a população em geral esteja exposta”.
Vanessa lembra que a ansiedade é uma emoção experimentada por qualquer ser humano em algum momento da vida; mas pode ser classificada como transtorno psiquiátrico quando desencadeia sofrimento e incapacita para a vida normal.
O Brasil hoje é líder mundial do ranking de casos de ansiedade. Dados recentes da Organização Mundial da Saúde (OMS) mostram que os ansiosos brasileiros somam 9,3% da população do País.
O trabalho de mestrado Associações entre traumas emocionais precoces, traços de personalidade e reconhecimento de expressões faciais em indivíduos diagnosticados com transtorno de estresse pós-traumático, ansiedade social e ansiedade generalizada, foi apresentado em junho deste ano, no programa de pós-graduação em Saúde Mental da FMRP, com orientação da professora Flávia de Lima Osório.
Mais informações: e-mail fernandes.vanessa@live.com
Fonte: Agência USP