Televisão aliena ou informa?

Televisão aliena ou informa: a televisão pode alienar, informar, reformar, conformar, deformar, entreter, ocupar o tempo e, para muitos, preencher um algo que falta

A televisão é poderosa formadora de opinião e comportamentos. Um veículo lúdico, de linguagem fácil, permeada por “mantras” recorrentes e que exige pouco esforço mental – características que podem ser bem aceitas depois de um dia trabalho estressante ou no final de semana sem atividades. A TV pode informar, reformar, conformar, deformar, entreter, ocupar o tempo e, para muitos, preencher um algo que falta.

Não tem caráter negativo em si, mas o uso descuidado pode deformar o caráter de alguém que esteja em formação. Eu penso muito quando os Tribalistas cantam que não têm paciência para a televisão e também quando os Titãs cantam que a televisão os deixou burros, muito burros demais, de forma que vivem agora na jaula junto aos animais. Forte isso!

A Clarice Lispector escreveu uma vez uma crônica sobre o Chacrinha onde questiona o caráter sádico dos telespectadores que se comprazem em tais desventuras televisivas. Olha que naquela época não tinham os “reality shows”. Ela também reparou que os anúncios são excessivos e a programação é pobre.

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Desde o tempo em que ela escrevia não vejo mudanças, que não o aumento da dose de sadismo, medo e sofrimento. Na ausência de sentido de vida algumas escolhas tornam as pessoas imperceptível e progressivamente apáticas ao cotidiano. É o amortecimento da consciência!

Estudos mostram que mulheres ficam mais horas em frente à TV do que homens, os idosos mais que os jovens, e os que estudaram menos mais que os universitários. As novelas e seriados têm importante papel na vida das pessoas, fazendo com que fiquem quase incomunicáveis em determinados horários, restringindo contatos familiares e sociais. Em alguns lares, a televisão é deixada ligada como som de fundo; já escutei dizerem que dá a sensação da casa estar cheia! De quê?

Televisão aliena ou informa?

A pobreza temática, sinal da “imbecilização” subjacente ao propósito de entretenimento foi brilhantemente retratada no filme estadunidense “Idiocracia”, do diretor Mike Judge. Vale muito a pena!!!

Induzir necessidades, criar hábitos e reforçar comportamentos frequentemente destrutivos e polêmicos é comum. O excesso de imagens e conteúdos relacionados a sofrimento, carência e dificuldades ampliam a desesperança e o medo de adoecer latente nas pessoas. Partilhar imagens e emoções intensas estimula os integrantes de grupos ou tribos a construir “mantras” individuais e coletivos no grande mosaico da vida. As emissoras começam a se conscientizar disso e incluir enredos novos – de caráter religioso ou educativo – que supostamente promovem reflexão e impactam de forma positiva os telespectadores. Em função do hábito, programas dominicais chegam a ter caráter ritualístico fantástico, anunciando em sua trilha sonora (mantra musical) o término do fim de semana e a retomada ao trabalho!

A tendência ao negativo e a glorificação da violência são verdadeiras aulas sobre as modernas técnicas que servem de material ao aperfeiçoamento de criminosos, como nos casos recentes de invasões de condomínios e ataques a empresas de segurança de valores em várias cidades do Brasil.

Com respeito à cultura televisiva de nosso país, o ex-ministro da educação Renato Janine discorreu com bom senso em seu livro “A sociedade contra o social”, onde detalha o modo como até a política brasileira se conduz em larga medida pelas novelas e programas humorísticos.

Esse contexto atípico fica claro no capítulo “O Brasil pela novela” que relembra o fato de que o Real, a “nova” moeda brasileira, foi apresentada em 1994 na novela “Fera Ferida”, antes mesmo que se começasse a divulgar oficialmente a mudança da nomeação monetária. Um lançamento surreal, mesmo no país da informalidade.

Desafiador escrever sobre essas coisas. Nem sei se tomo agora um antidepressivo ou se ligo a televisão. Ahhh, quase me esqueci, não tem nem um nem outro aqui em casa. Vou andar no parque e terminar de ler as crônicas da Clarice Lispector, a alma se alegra.

Médico Neurocirurgião pelo HCFMUSP Doutor em Neurociências pelo ICBUSP Graduado em Física pela USP Especialista em Medicina Antroposófica pela ABMA Autor do livro e do blog: Saúde é Consciência Meu blog: http://saudeconsciencia.blogspot.com