Vestibular: um ritual de passagem

Poucos rituais de passagem restaram na nossa cultura. O processo de desenvolvimento do ser humano acontece em uma trajetória quase linear, onde os pontos de transição são cada vez menos marcados.

A escolha da futura atividade profissional, o se preparar para os exames de admissão à faculdade e depois o momento do vestibular caracterizam momentos de aumento de estresse para os jovens e suas famílias. Parecem constituir em seu conjunto, um dos poucos rituais de passagem da contemporaneidade.

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Diferentemente de alguns países desenvolvidos, aqui no Brasil a escolha profissional de nível superior (que exige diploma universitário) tem que ser feita muito cedo. O adolescente com aproximadamente 17 anos de idade, já precisa optar por ser médico, engenheiro, físico, sociólogo, psicólogo, jornalista, administrador, advogado etc.

Além disso, o número de opções para escolha da profissão futura aumentou muito no atualidade. Resultados de pesquisas mostram que muitas das profissões tradicionais tendem a se extinguirem. A máquina cada vez mais substitui as atividades humanas e isso acontece há décadas, mas de forma muito mais acelerada, nos dias de hoje.

Por que escolha da atividade profissional se torna cada vez mais complexa       

Assim, a escolha da atividade profissional se torna cada vez mais complexa, pois tem-se que levar em conta diversos fatores. Além do desejo e  da aptidão para a atividade em si, além das habilidades e competências adquiridas, se torna importante pensar no mercado de trabalho futuro e na viabilidade da profissão a médio e longo prazo. E esses prognósticos não são fáceis de serem realizados.  

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Quanto a essa escolha, não raro se observa um conflito entre a geração dos pais, que ainda acredita nas vantagens das profissões tradicionais e os jovens, influenciados pela mídia que propaga a inovação constante. Os filhos  passam a almejar profissionalizações mais alternativas, ligadas, por exemplo, à robótica, ao entretenimento…

Preparação para o vestibular 

A preparação para os exames vestibulares muda a rotina de muitos adolescentes, acostumados a uma vida mais tranquila em alguns aspectos. Estudar mais se torna necessário e é preciso construir e acumular conhecimento para garantir admissão a uma boa faculdade. Para muitos jovens, uma faculdade pública é a única possibilidade, pelos custos  altos das faculdades  particulares. A opção por uma boa universidade no exterior, também traz a necessidade de muito trabalho para que se consiga preencher os inúmeros requisitos das aplicações seletivas.

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Em geral, para os filhos e para os pais, os níveis de tensão e de ansiedade tendem a aumentar significantemente nos dias que antecedem aos exames vestibulares. Cabe aos pais a possibilidade de dar continência às angústias do filho e só isso. Talvez pela primeira vez na vida, o filho estará, de fato, sozinho frente às provas.  Dependerá exclusivamente de si mesmo, isto é, da sua inteligência e de seus esforços na aprendizagem prévia e também de sorte, é claro, mas incluindo a sua capacidade de perceber e saber aproveitar a sorte. Ele está por sua conta inexoravelmente.

Ritual de passagem

Esse é um ritual de passagem. Estar por sua conta, pela primeira vez na vida. Não cabe, aqui,  discutir se o processo do vestibular é válido ou não, mas ele serve a esse propósito e tem o significado de um ritual de passagem.

É preciso ressaltar a importância desse significado, em uma época na qual  são poucos os desafios desse tipo que se colocam frente aos jovens. Nos tempos  “do crepúsculo do dever e da ética indolor” para usar as palavras do filósofo Gilles Lipovetsky,  se faz tudo para evitar sofrimentos,  para aplainar as angústias dos filhos, em prol de um estado utópico de felicidade constante.

Quando o jovem vê o resultado do vestibular que fez e percebe que entrou na faculdade que desejava, ele vive um momento genuíno de felicidade e comemora. Faz parte do fim desse ritual de passagem, toda a celebração possível.