Vício em pornografia está no mesmo patamar do das drogas?       

Considerações sobre possíveis similaridades entre o consumo de pornografia e o abuso de substâncias psicoativas

Resposta: Considerar de forma inequívoca que o consumo de material pornográfico é pernicioso foi ideia e proposta de cidadãos e Governos de épocas bastante diversas. Em 1929, por exemplo, a antiga “Liga das Nações”, fundada em 1920 com o objetivo de dissolver conflitos mundiais, também criou uma comissão conhecida como “Convenção Internacional para a Supressão da Circulação e Tráfico de Publicações de Caráter Obsceno”.

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De qualquer forma, no presente momento, os estudos científicos não conseguem afirmar, além de uma dúvida razoável, que o consumo de pornografia é pernicioso ou que cause sérios problemas à maioria das pessoas que a usam. Entretanto, é verdade que uma parcela pequena dessas pessoas acaba por desenvolver um consumo problemático e, por vezes, compulsivo, com sérios danos à saúde psicológica e física.

Outrossim, vale a pena ressaltar, os temas dos materiais pornográficos correntemente disponíveis são por demais variados e heterogêneos, sendo que alguns destes temas ou categorias são ilegais, como é o caso de filmes pornográficos envolvendo crianças por exemplo. Tendo em vista a discussão profunda que este último tema mereceria, focaremos neste texto apenas no consumo problemático de pornografia envolvendo atores adultos que trabalham voluntariamente com esse gênero de filmes.

Consumo de pornografia relacionado a problemas neuropsicológicos e neurobiológicos

Na verdade, a alta frequência do consumo de pornografia tem sido relacionada com problemas neuropsicológicos e neurobiológicos. Um estudo sueco representativo sobre meninos adolescentes mostrou que aqueles com consumo diário desenvolviam mais interesse em tipos desviantes e ilegais de pornografia e relatavam com mais frequência o desejo de realizar na vida real o que tinham visto nos filmes.

Também foi notado que uma menor satisfação sexual na vida real foi associada com um mais frequente consumo de material pornográfico. Tomados em conjunto, estes dados mencionados apoiam a suposição de que a pornografia pode ter um impacto sobre o comportamento e a cognição social dos seus consumidores.

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Semelhantemente às teorias sobre o desenvolvimento das síndromes de dependências, tem sido aventado que a pornografia constitui um estímulo naturalmente recompensador e que altos níveis de exposição resultariam em modificações funcionais nas vias cerebrais associadas com o sistema de recompensa.

Consumo abusivo de pornografia pode desenvolver “tolerância” similar a do uso de drogas

É possível que consumidores frequentes de pornografia busquem cada vez mais excitação sexual com tal material, uma vez que processos adaptativos do cérebro podem torná-lo menos responsivo à frequência, quantidade e tipo de material previamente visto. Isso seria uma forma de “tolerância”, similar ao que ocorre com a síndrome de dependência de substâncias.

Presume-se que uma região cerebral, o chamado corpo estriado, esteja envolvida na formação de certos comportamentos entre usuários de substâncias psicoativas, em especial quando o uso de drogas progride em direção ao comportamento compulsivo. Também, a função comprometida do córtex pré-frontal está entre as principais modificações neurobiológicas vislumbradas nas pesquisas sobre transtornos de abuso de substâncias tanto entre humanos quanto em animais.

Estudos de neuroimagem entre consumidores frequentes de pornografia têm também encontrado alterações estruturais e funcionais nesta região cerebral, o corpo estriado. De fato, esta região (em especial, sua faceta direita) é menor entre usuários contumazes de pornografia.

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Uma vasta gama de pesquisas implica a importância do corpo estriado no processamento de recompensas. Os neurônios no corpo estriado de primatas não humanos respondem à entrega e à antecipação de recompensas. Os neurônios estriados codificam a magnitude da recompensa e a saliência do incentivo, bem como disparam mais vigorosamente diante das recompensas preferidas.

Notemos que estas alterações volumétricas no corpo estriado foram também previamente associadas à dependência de tipos de substâncias psicoativas, tais como a cocaína, a meta-anfetamina e o álcool. No entanto, os efeitos sobre o corpo estriado relatados com o abuso de substâncias psicoativas são muito mais evidentes do que quando se trata apenas de consumidores intensos de pornografia.

Alguns estudos já relataram aumento do volume associados ao consumo contumaz da pornografia, enquanto outros relataram reduções do volume do corpo estriado. Estas discrepâncias poderiam ser devido aos efeitos neurotóxicos de drogas de abuso usadas em conjunto com a pornografia, comportamentos nada incomuns.

Consumo de pornografia junto com o uso de drogas

O consumo frequente e intenso da pornografia comumente é realizado com o consumo de substâncias psicoativas. Já se sabe que as vias neurobiológicas são comuns a ambos os problemas e, tendo isso em vista, é essencial que o clínico esteja alerta a essa coexistência.

No entanto, existem os indivíduos dependentes de sexo ou que padecem do chamado Transtorno do Comportamento Sexual Compulsivo, cuja principal manifestação é o consumo da pornografia e que não fazem uso concomitante de alguma substância psicoativa.

Apesar disso, do ponto de vista neurobiológico, as dependências têm vias comuns. Três regiões em particular parecem estar mais implicadas nos cérebros das pessoas com comportamento sexual compulsivo em comparação com os voluntários saudáveis. Significativamente, essas regiões – o corpo estriado, o cíngulo anterior dorsal e a amígdala cerebral – são regiões que também estão particularmente afetadas em dependentes de substâncias psicoativas. O corpo estriado está envolvido, como enfatizado anteriormente, no processamento da recompensa e da motivação; o cíngulo anterior dorsal está implicado na antecipação de recompensas e desejo; a amígdala está envolvida no processamento do significado de eventos e emoções.

Sabemos que as vias neurais implicadas no desenvolvimento das síndromes de dependências são semelhantes entre diferentes tipos de substâncias exógenas e/ou comportamentos recompensadores. Obviamente, diferenças entre os tipos de substâncias usadas e os tipos de comportamentos prazerosos são evidenciados no cérebro, através da ativação e/ou desativação de algumas áreas específicas.

De qualquer forma, tanto o consumo pernicioso da pornografia quanto o consumo nocivo de substâncias psicoativas merecem identificação e tratamento urgentes. Em ambos os casos, o desenlace pode ser devastador.

Sim, existem similaridades entre os dois problemas do ponto de vista neurobiológico. Sim, existe a necessidade de tratamento. Sim, se você padecer de um, de outro ou de ambos os problemas, precisa procurar ajuda médica especializada imediata.

Professor Livre-Docente pelo Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Professor de Psiquiatria do Centro Universitário Faculdade de Medicina do ABC. Pesquisador nas áreas de Dependências Químicas, Transtornos da Sexualidade e Clínica Forense.