por Stella Arengheri
O ato de amamentar pode ser para muitas mães sinônimo de prazer e afeto. No entanto, nem todas as mulheres compartilham deste sentimento, em particular quando essas mães vivem em situação de violência cometida pelo parceiro durante o período da gravidez e pós-parto. O ato de amamentar perde seu significado quando divide o mesmo teto com a violência, como aponta estudo da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP) da USP.
A pesquisa da obstetriz Nayara Girardi Baraldi buscou identificar quais as consequências da violência praticada por parceiro íntimo durante o período de aleitamento materno. Os resultados mostraram a diminuição do tempo de amamentação, além de mudança no tipo do aleitamento, ou seja, ele deveria ser exclusivo até os seis meses do bebê, mas a violência levou essas mães a oferecer outros alimentos ao bebê antes dos seis meses de vida, fato que contribuiu para o desmame precoce da criança.
A falta de motivação em amamentar por conta das brigas, quando as mulheres interromperam o aleitamento para discutir com o parceiro, e o estresse gerado pelos desentendimentos foram os fatores apontados pelas mães que mais afetaram a qualidade e o tempo de amamentação. A falta de paciência com as crianças e o desânimo com o autocuidado também apareceram nas queixas dessas mulheres.
Ao todo foram entrevistadas 21 mulheres, com idade entre 17 e 23 anos, que sofreram algum tipo de violência por parceiro íntimo (VPI) e tinham mais de 180 dias de pós-parto. Destas, 12 afirmaram que o parceiro controlava a sua vida. Nove disseram ter sofrido violência durante a gestação. Já no período puerperal, que vai aproximadamente até a oitava semana após o parto, a violência foi sofrida por quase todas as mulheres.
Violência de todos os tipos
Nayara conta que as mulheres entrevistadas sofreram vários tipos de violência: psicológica, emocional, física e sexual. Segundo a pesquisadora, as mudanças no relacionamento devido à presença do bebê podem ter colaborado para que a violência fosse mais acentuada. “O aumento da violência por parceiro íntimo no período pós-parto em relação ao gestacional pode ter ocorrido devido à alteração na situação conjugal do casal, com o aparecimento das demandas do recém-nascido.” Ela explica também que “os estudos frente à temática gestação e VPI ainda não concluem se o período gestacional é protetivo ou não para a mulher. No entanto, para essa população estudada, a gestação, assim como ter o filho próximo, foram ações positivas para combater os atos de violência pelo agressor”.
Criança também é afetada
Os resultados mostram que a violência causada pelo parceiro íntimo às mulheres em fase de amamentação também trouxe prejuízos às crianças. As mães entrevistadas relataram que as crianças passaram a apresentar com mais frequência choro e dificuldades para dormir. “Algumas dessas mães tinham o desejo de mudar esse cenário e, para isso, buscaram formas de melhorar a situação econômica, assim como afastaram os filhos dos pais e algumas, inclusive, denunciaram o agressor.”
No entanto, o estudo detectou que algumas dessas mulheres sofriam a violência simbólica, quando as vítimas não acham que estão sendo violentadas. Esse pensamento, explica Nayara, acontece em função de fatores culturais. “O indivíduo está tão envolvido no contexto violento que não consegue identificar um ato violento. No caso da mulher em situação de violência por parceiro íntimo, a violência simbólica acontece no sentido de que ela se sente culturalmente e socialmente dominada pelo parceiro, e muitas vezes essa violência é invisível aos seus próprios olhos.”
Na tentativa de melhorar esse panorama, muitas dessas mulheres buscaram ajuda com a rede interpessoal, formada por familiares e amigos. “O correto nessas situações é buscar auxílio na rede institucional, formada pelos profissionais da saúde, da área jurídica, policial e assistencial. No entanto, esse recurso foi pouco utilizado pelas participantes, que só optaram por essa ajuda quando não conseguiram encontrar uma solução com seus familiares ou amigos”, afirma.
Ainda, segundo a pesquisadora, isso pode acontecer em função da ineficácia desses serviços diante de casos de violência. “A rede institucional mostrou-se pouco acolhedora, além de fragmentada entre os setores da saúde, assistência social, judiciário e segurança pública, o que colaborou para a permanência da mulher em situação de violência. A rede institucional mostrou ser pouco eficaz tanto no quesito violência como em relação à amamentação.”
Unidos somos mais fortes
A obstetriz explica que esse quadro precisa mudar e que, para isso, é necessária a melhoria dos serviços públicos, mas além disso, a sociedade precisa mudar sua postura quanto a esses casos. “Não só os profissionais, mas também a sociedade precisa ter mais atenção e compreensão com a mulher que vivencia essa situação, e em vez de julgá-la, acolhê-la. É necessário, também, estabelecer serviços integrais de cuidados, a fim de reduzir a continuidade desses acontecimentos.”
A tese A vivência do aleitamento materno em um contexto de situação de violência por parceiro íntimo e a rede de suporte social foi defendida na EERP em maio deste ano e orientada pela professora Juliana Stefanello, da EERP.
Mais informações: e-mail nayyzinha@usp.br