Aumento do consumo de drogas e de cocaína durante a pandemia: um problema a ser encarado de forma individualizada e multidisciplinar
Comentários: A Pandemia provocada pelo SARS-CoV-2 tem gerado diversos problemas que transcendem a infecção propriamente dita. Sentimentos como medo, raiva e incerteza sempre recrudescem em momentos de catástrofes sociais e sanitárias e isso não seria diferente no momento atual.
Aumento do consumo de drogas na pandemia
Vários serviços de atenção médica e psicológica têm percebido um aumento nas queixas de ansiedade, depressão ou mesmo prejuízos na concentração e atenção. Não apenas estes sintomas/sinais têm sido notados; o aumento no consumo de substâncias psicoativas, como uma forma disfuncional para driblar os sentimentos negativos que nos assolam no dia a dia, tem sido pauta de discussões ao redor do mundo.
De acordo com o Centro de Controle de Doenças nos Estados Unidos da América (CDC, Junho 2020), cerca de 13% dos americanos reportaram estar iniciando o consumo de alguma substância psicoativa ou mesmo aumentando o uso prévio. Um sistema nacional Americano de registro de episódios de overdoses, conhecido como Overdose Detection Mapping Program (ODMAP), mostrou que, nos meses iniciais da Pandemia, houve um aumento de 18% nas overdoses quando comparado aos mesmos meses de 2019. Esta tendência parece ter permanecido durante todo o ano de 2020, tanto que a Associação Médica Americana reportou que mais de 40 Estados estavam tendo que lidar com um número crescente de overdoses de opioides e de cocaína no mês de Dezembro.
Na mesma linha, o European Monitoring Centre for Drug and Drug Addiction (EMCDDA), tem verificado que a crise econômica mundial tem tido pouco impacto sobre o mercado de drogas, como a cocaína. Alguns países europeus têm visto um crescente uso de cocaína/crack e canabinoides sintéticos. De acordo com este órgão europeu, a prevalência do uso de LSD (Dietilamida do Ácido Lisérgico), GHB (Ácido Gama-Hidróxi-Butírico) e Ketamina também aumentou durante o primeiro lockdown em alguns países europeus.
O que leva ao aumento do consumo de drogas na pandemia
Alguns autores têm apontado que a ansiedade, a solidão e o estresse financeiro são os principais disparadores para o consumo de substâncias, principalmente nesta fase. No entanto, é difícil elencar todos os fatores que estão contribuindo para este aumento no uso de substâncias psicoativas. É verdade que, à medida que o estresse aumenta, algumas pessoas demonstram redução no próprio repertório das formas de automanejo e acabam por tomar decisões perniciosas.
Associada a isso, temos a sobrecarga dos sistemas públicos de saúde que acabam por reduzir a capacidade de atendimentos de casos novos. Outrossim, o estigma relacionado com o abuso de cocaína e outras substâncias, por exemplo, dissuade o usuário a buscar ajuda especializada.
Tendo em vista que, infelizmente, os atendimentos presenciais foram de formas variadas desencorajados, a Telemedicina tornou-se uma fonte importante para o acesso aos cuidados médicos e psicológicos. Inclusive, grupos de mútua ajuda (Alcoólicos Anônimos e Narcóticos Anônimos) também têm aderido a este novo meio de comunicação. Todavia, é importante lembrar que nem todos têm acesso à Internet ou mesmo a computadores, smartphones ou tablets.
Ao mesmo tempo que a crise econômica se dissemina, aqueles portadores de problemas relacionados com o uso de substâncias acabam por perder seus convênios médicos ou mesmo não mais conseguem arcar com os custos de um tratamento particular. Isso colabora tanto para o afastamento do tratamento quanto para uma sobrecarga na demanda por serviços públicos já saturados.
Tratamento para o consumo de drogas deve ser individualizado
Devemos ressaltar que diferentes tipos de drogas e diferentes tipos de usuários problemáticos precisam receber tratamentos individualizados, dada a heterogeneidade do problema. Muitas vezes, no caso da dependência de opioides, o tratamento via Telemedicina torna-se muito complicado, levando-se em consideração os tipos de medicações que podem ser prescritas e o controle externo sobre a utilização das mesmas.
Também, é importante lembrar que grande parte dos indivíduos com problemas relacionados com o uso de substâncias, especialmente dentro de um contexto no qual as habilidades sociais e a própria resiliência estão comprometidas, o tratamento deve ser interdisciplinar. Ou seja, diferentes profissionais devem estar engajados na recuperação do paciente.
Todos entendemos tanto o momento atual desgastante quanto o problema com o uso de substâncias psicoativas. Precisamos agora entender que deixar o tratamento de lado também faz o usuário de substâncias mais vulnerável ao adoecimento agressivo pelo SARS-CoV-2. Usuários problemáticos de drogas podem ter condições médicas subjacentes que os colocam em maior risco de desenvolver complicações relacionadas com a infecção.
Não vamos complicar ainda mais o momento no qual vivemos. Se estiver com problemas relacionados ao uso de substâncias, procure tratamento médico o mais rapidamente possível.