Como a pandemia afeta seu equilíbrio psíquico

Paralisados pelo medo, alguns sofrem quadros psicológicos sérios. No outro polo, estão os negacionistas ‘invulneráveis’. E entre esses dois grupos, há pessoas que não tiveram seus sistemas psicológicos tomados pelo vírus.

O que dizer no momento em que termina o ano que foi dos mais desafiadores para humanidade. Não há continente, país, vila, ser humano que não tenha sido “contaminado” pela Covid-19. Mesmo aqueles que não sofreram o contágio real, físico, tiveram suas vidas transformadas pelos efeitos da pandemia. Nenhum de nós passou, ou passa, ileso por esta infecção. O contágio, seja ele literal ou simbólico, transformou nossa vida e a realidade que conhecíamos até então.

Efeitos da Covid-19

Penso em alguns quadros psicológicos mais sérios causados pela Covid-19. Alguns se isolaram completamente em ambientes assépticos na tentativa a de manter o controle e dessa forma, o vírus fora de casa. O tão temível contágio físico, foi controlado, mas toda uma nova dinâmica se impôs, contagiando de outra forma o clima emocional daquela casa. Para estes, os efeitos mais nocivos da Covid foram: a acentuação de conteúdos paranoicos, pânico, medo da morte iminente e o consequentemente necessário isolamento completo.

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Muitas pessoas nestes quadros sentiam a vida por um fio, deixaram de se cuidar, comeram em demasia, se entregaram a uma certa indolência, ficando como que a espera de que o tempo passasse e com ele a eliminação do vírus e, portanto, do contágio físico.

Comportamento negacionista

Para outros, no lado oposto do espectro, os sintomas da Covid-19, foram um comportamento narcisista, grandioso, negacionista. Uma identificação com o super-homem com sua invulnerabilidade e capacidade de resistência. Este grupo pouco se ateve às questões do isolamento, preferindo manter a vida como se nada lhes pudesse acontecer, “eu sou mais eu, o vírus não vai me contaminar”.

A síndrome provocou também entre eles sintomas de isolamento no sentido do individualismo excessivo: eu me basto. Faço o que acho que devo fazer, a saúde e bem-estar de meus próximos não são problema meu. Cada um por si e Deus por todos, não esqueçamos da crença entre nós de que Deus é brasileiro.

Entre os dois polos extremos dessa contaminação há um amplo leque de sintomas leves. Pessoas que não tiveram seus sistemas psicológicos tomados pelo vírus, que conseguiram seguir vivendo apesar das restrições impostas pelos confinamentos. Serão essas pessoas mais saudáveis, terão um sistema psicológico mais vigoroso, dinâmico, resiliente? Será a possibilidade de constante movimento que garante um funcionamento mais sadio?

Importância do autocuidado e do cuidado com o outro

Como todos os aspectos que cercam o vírus da Covid-19, não temos certeza de nada. Temos sido desafiados a cada momento em busca de conhecimentos que nos orientem. Temos apenas a certeza da importância do autocuidado e do cuidado com o outro, com a vida dos que nos cercam, de toda a humanidade. A contaminação pode acontecer aqui, mas ela acontece ao mesmo tempo em todo o mundo.

Toda e qualquer paralisação em um dos polos é sinal de infecção e para esse tipo de contaminação só um real comprometimento pessoal com a nossa consciência, com nosso eu mais profundo pode servir de antídoto. Que venham as vacinas e que possamos transformar o aprendizado, conquistado a duras penas, em consistentes transformações pessoais e coletivas.

Apenas assim, o contágio pode mudar a realidade. É necessário se espantar, se indignar e se contagiar, só assim é possível mudar a realidade” – Nise da Silveira

É psicóloga formada pela PUC-SP, trabalha em consultório com atendimento de adolescentes, adultos e casais. Mestranda em Psicologia Clínica na PUC-SP, analista junguiana formada pela SBPA- IAAP (Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica).