Como conviver com o medo?

O medo constante e crônico pode se transformar em pânico e a contaminação pelo medo não pode ser subestimada

Há alguns anos, a mídia e os especialistas em geopolítica vinham descrevendo um mundo cada vez mais caótico e perigoso, entre guerras civis e ataques terroristas. A Internet, as redes sociais, espalham as notícias aterrorizantes em tempo real. As mortes, os atentados, o medo de saber que os ataques acontecerão, não importa onde ou quando, invadiam as mentes das pessoas. Assaltos, sequestros, torturas, assassinatos assustavam as pessoas.

Nos diferentes países, as pessoas viviam situações extremas muito diferentes, mas com um ponto em comum: a vida sob a ameaça quotidiana da violência. O ser humano converteu-se em uma vítima potencial dessa violência e estratégias foram difundidas para buscar proteção. Controles severos em aeroportos, casas e condomínios gradeados, seguranças nas portas, carros blindados etc. O espaço fechado passou a trazer segurança.

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O medo líquido

Hoje, em função da pandemia, mortífera, duradoura, que se propaga pelo mundo, nunca o medo foi tão contagiante. Perfeita a expressão cunhada pelo filósofo contemporâneo Zygmunt Bauman, o “medo líquido”, como um medo que se esparrama em todos os lugares, que pode vazar em qualquer canto ou fresta; nas casas, nos trabalhos, nas ruas, um medo muitas vezes exacerbado, estampado no corpo em forma de pânico. O vírus, as variantes do vírus, o número de contaminados, o recorde de mortes, a escassez das vacinas tornaram- se o assunto único e constante de todas as conversas, dos jornais escritos e falados.

Sentir medo é normal

O medo é uma emoção normal com significado importante na evolução das espécies, pois é o medo que nos motiva a agir, de modo a aumentarmos nossa chance de sobrevivência. A universalidade e o valor adaptativo do medo mostram como ele está enraizado na experiência humana. Mas, o medo constante, crônico pode se transformar em pânico.
Há mais de um ano, vivenciamos o fechamento progressivo dos espaços de convivência fora de casa. É nítido o aumento do nível de estresse nas pessoas do grupo familiar. As crianças confinadas às casas ou aos apartamentos, tendem ficar mais irritadas e agitadas, os pais, cansados, dadas às inúmeras demandas, mostram-se menos tolerantes. Uma ansiedade generalizada e sentimentos depressivos recaem sobre as pessoas.

Por que ocorre o medo líquido

Hoje, soma-se a isso, a falta total de previsibilidade a respeito do fim da pandemia e o medo, já crônico, da doença e da morte. Esse é o medo líquido, que pode vasar em qualquer canto ou fresta. Atualmente é impossível não se pensar na morte, pois ela se apresenta muito próxima. O medo impregna e contagia as pessoas de todas as idades, assustando os mais velhos e apavorando os mais jovens. O vírus é um inimigo invisível, daí o medo.

O confinamento social e as medidas de higiene apregoadas tentam impedir, pelo menos em parte, a contaminação pelo vírus. Mas, quanto à contaminação pelo medo, o que fazer? Tal contaminação não pode ser subestimada.
Os pais precisam prestar bastante atenção às suas crianças, pois elas, muitas vezes, estão com medo e não falam. E esse medo pode se manifestar por meio de irritabilidade, agressividade, apatia, tristeza e outros sintomas. Faz-se necessário procurar conversar sobre o assunto e garantir a segurança possível que a criança está necessitando.

É psicóloga especializada em psicoterapia de crianças e adolescentes. Mestre em psicologia clínica pela PUC-SP, Doutora em Distúrbios da Comunicação Humana pela Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo, professora do Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Clínica da PUC e autora de vários livros, entre eles 'Pais que educam - Uma aventura inesquecível' Editora Gente.

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