Desenganado pelos médicos. E agora?

O que fazer se você for desenganado pelos médicos? E se você tiver apenas seis meses de vida? Uma história de resiliência e sabedoria revela um caminho de iluminação.    

Suponha que seu médico, o mais compassivamente possível, lhe explique que sua vida está ameaçada por uma condição muito grave, cuja sobrevida média é de um semestre. A prática da Medicina se baseia nos dados produzidos por diversos campos da ciência e suas predições estão sujeitas a algumas imprecisões e é nesta hora que você torce para o médico estar equivocado. Suponha que ele não esteja…

Continua após publicidade

Provavelmente a reação inicial será de choque, incredulidade, negação ativa, algo por aí. Mas se isto passar, sobra o que para você? O brilhante neurologista e escritor Oliver Sacks (1933-2015) talvez nos ajude a entender o que realmente importa em cada etapa da vida. Quando ficou sabendo que um melanoma ocular ocupara seu fígado, Oliver entendeu sua condição terminal. No tempo que lhe sobrou de vida escreveu três fortes ensaios, publicados no New York Times. Como não sou capaz de transmitir a grandiosidade dos textos e meu resumo ficará obviamente tosco, recomendo vocês a buscarem os textos originais nos arquivos do jornal.

Desenganado pelo médico

Sacks revelou o prazer em sua vida atual, havia gratidão e pesar no texto. Encontrei também uma vitalidade orientada para metas mais específicas, típicas de quem tem pressa para realizar certos projetos e atividades no tempo que lhe fora disposto pelas circunstâncias. Ele declarou que faria o possível para concluir seus textos em andamento, atender os pacientes antigos e não receber casos novos (assim entendi), conviver com os íntimos. Disse que ficaria de fora de atividades mais dispersivas como dar entrevistas, por exemplo. Dava para sentir um senso de urgência e uma forte clareza do que importava de verdade para ele. Fisicamente ele ainda se sentia vigoroso, porém sorrateiramente sua saúde seria minada.

Mais para a frente, se sentindo menos forte, com sinais de adoecimento, ele começa a perceber que provavelmente não festejará seu próximo aniversario e começa a se despedir de certas atividades, foca no que lhe é viável e muito precioso. Próximo de morrer, escreveu um emocionante texto final, em que traça um paralelo entre o Shabat, o período de recolhimento religioso entre o pôr do sol de sexta-feira e o sábado, respeitado pelos judeus, e o momento que vivia, em que se voltava para um balanço do que vivera, um outro tipo de recolhimento. Perdoe-me, Professor Sacks, pelas distorções e omissões que devo ter cometido nesta síntese…

É preciso mesmo esperar ser desenganado pelos médicos?

A pergunta que lhes trago hoje, leitores queridos, é essa: para que esperar o aviso explícito da finitude para só então escolhermos com consciência, vivacidade e empenho nossos próximos passos? Nosso dia tem apenas 24 horas e não sabemos quantos dias teremos pela frente. Mas podemos examinar com atenção o que temos feito e também o que negligenciamos. Quais sonhos possuem um espaço para serem postos em prática? Do que podemos nos livrar, mudando rotas, revendo prioridades e recursos disponíveis? Quais são nossos valores mais íntimos? A gente os leva em conta quando caminhamos pela vida? Quero honrar o tempo que me é concedido neste mundo, será que vou conseguir?

É psicoterapeuta na abordagem analítico-comportamental na cidade de São Paulo. Graduada em Psicologia pela PUC-SP em 1981, é Mestre e Doutora em Psicologia Experimental pela IP-USP. Atua como terapeuta e supervisora clínica, é também professora-convidada em cursos de Especialização e Aprimoramento. Publicou dezenas de artigos científicos, e de divulgação científica, além de ser coautora de livros infanto-juvenis.

Continua após publicidade